Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, maio 10, 1998

A paz mora logo ali perto

Belford Roxo registrou 358 assassinatos em 1997; Duas Barras, nenhum

CORDEIRO, DUAS BARRAS E BELFORD ROXO (Extra) - Da sacada de sua janela, Ventina de Carvalho Mourão, de 83 anos, abre um enorme sorriso quando o assunto é Cordeiro, cidade onde vive desde 1928. Não é para menos. Afinal, quem ainda pode se dar ao luxo de dormir todo dia com as janelas de casa abertas num lugar onde ela só se lembra de um homicídio cometido há dez anos?

Já Josélia Fernandes, de 49, ainda tem fresca na memória a imagem do corpo de um rapaz assassinado há dois anos em frente ao portão de sua casa, no bairro Parque São José, em Belford Roxo. Com grades na janela, ela conta que tiros disparados por bandidos a impedem de ficar em paz na rua. Nas paredes da casa, marcas de bala realçam o que ela diz.

Ventina e Josélia são exemplos de duas realidades opostas existentes no estado. Enquanto uma não está acostumada nem a roubos de carro, a outra convive com homicídios, tiroteios e tráfico de drogas.

A confirmação vem nos números apresentados por Francisco Lopes, Grace Rose e Átila Mesquita, delegados de Cordeiro (154ª DP), Duas Barras (152ª DP) e Belford Roxo (54ª DP), respectivamente. A 30 quilômetros do Centro do Rio, Belford Roxo foi apontada por um relatório da Secretaria estadual de Segurança Pública como a cidade mais violenta do Rio de Janeiro, registrando 4.380 crimes no ano passado. Entre eles, 358 homicídios (quase um por dia), 32 estupros e 440 roubos de carro.

Subindo a serra, a quase 200 quilômetros do Rio e a mais de mil metros de altitude, a delegacia de Duas Barras anota cerca de 240 crimes por ano. Uma média diária de 0,66 ocorrência. Ou seja, há dias em que nenhum tipo de violência é praticado no município. Um pouco mais bruta, Cordeiro registra 420 casos ao ano, ou 1,15 por dia. Quase todas as ocorrências dessas cidades são brigas conjugais. Em Belford Roxo, são 12 casos por dia.

- Agimos como agentes de reconciliação matrimonial - diz o detetive de Cordeiro Júlio José Erthal, resumindo o seu cotidiano, oposto ao de Átila Mesquita:

- Fiquei estarrecido com um caso em que o assassino matou uma senhora, a filha e o neto dela por causa de duas TVs e um aparelho de som.

Último crime de morte ocorreu há 3 anos

Se os delegados de Cordeiro e Duas Barras, na Região Serrana, não metessem a colher em briga de marido e mulher em alguns dias eles ficariam sem fazer nada. E não há exagero na afirmação.

Para ilustrar melhor o dia-a-dia do delegado Francisco Lopes, que também responde pela 155ª DP (São Sebastião do Alto), 85,7% dos delitos de Cordeiro são desavenças conjugais e amorosas, envolvendo namorados e amantes:

- A gente exerce mais uma função social do que policial. Sofremos muito do "Mal do Álcool". O marido volta para casa bêbado e bate na mulher - explica o delegado, titular desde janeiro.

A 16 quilômetros dali, Duas Barras é mais tranqüila ainda. Segundo a Secretaria estadual de Segurança Pública, a cidade registrou um estupro, dois roubos de carro e uma a residência no ano passado.

- Duas Barras é muito monótona - resume a delegada Grace Rose, que há sete meses se limita a lidar com brigas de casais.

Aliás, o último assassinato ocorrido no município começou com uma rixa debaixo dos lençóis. Em junho de 1995, Leila Peitano Faria matou a própria filha, Márcia, de 22, porque as duas namoravam o mesmo homem.

A cerca de 200 quilômetros do Rio, Cordeiro só teve sua paz perturbada no dia 18 de janeiro. Negociante de armas, o padeiro Jady Francisco dos Santos Dias, de 50 anos, teria sido assassinado por um homem que lhe cobrou uma encomenda. Antes disso, os crimes mais graves em 1997 foram cinco estupros e 13 furtos de automóvel.

Janelas abertas ou portões com grades de ferro

Noites de sono tranqüilo vividas em Duas Barras e Cordeiro são o oposto dos pesadelos da Baixada

Uma cidade pacata, com algumas brigas de marido e mulher. É assim que o advogado Billy Graham, de 32 anos, define Cordeiro, cidade onde nasceu e só saiu para estudar direito na Uerj, no Rio.

- Só há um pouquinho de confusão durante a Exposição Agropecuária de Cordeiro, entre junho e julho. Fora isso, a cidade é bastante pacata, uma das poucas onde pode-se dormir com as janelas abertas - conta ele, ainda impressionado com a morte do padeiro Jady Dias, que morava há 50 metros de sua casa.

Em Duas Barras, o silêncio só é quebrado pelos galopes e relinchos dos cavalos.

- Em sete anos, só me lembro de dois assassinatos. Não troco Duas Barras por lugar algum. Durmo sempre de janela aberta. É como diz o Martinho da Vila. Isso aqui é "devagar, devagarinho" - festeja Celso Luiz Neves, de 38 anos.

Tal privilégio ainda não chegou a Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Embora afirme que a cidade não está tão violenta quanto nos anos 80, a população prefere manter a cautela.

- A violência continua. Por enquanto, não dá para dormir com tudo aberto - diz o serralheiro Edson Daniel Silva, de 42, morador do bairro Parque São José.

- Moro aqui desde os 9 anos. De vez em quando, aparece uma pessoa morta. Às vezes, temos que ficar em casa por causa dos tiros dados pelos traficantes - explica a professora Josélia Fernandes, de 49, que tem a casa protegida por grades na janela e um portão de ferro na entrada.

Em todo esse tempo, lembro só de uma morte, há uns dez anos

VENTINA CARVALHO MOURÃO tem 83 anos e mora em Cordeiro há 70 anos

Vivo aqui desde o dia 15 de março de 1928. Cordeiro já foi melhor, mas não saio daqui de jeito nenhum. Meu falecido marido nasceu, se criou e morreu aqui. O único problema da cidade é a falta de emprego. Tenho quatro filhos, sendo que dois moram em Niterói. Mas nunca pensei em me mudar para um lugar grande. Aqui, tenho a vantagem de dormir sozinha e com as janelas abertas sem qualquer preocupação porque todo mundo é amigo. Em todo esse tempo, só lembro de uma morte. Foi há uns dez anos. Um rapaz de Cantagalo que trabalhava nos Correios daqui e se juntou com uma mulher. Dois meses depois morreu. Dizem que foi por causa dela.