Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

quinta-feira, janeiro 14, 1999

Em ritmo de maria-fumaça

SuperVia não investiu o que prometeu, sofre devassa e poderá perder concessão

RIO (Extra) - O secretário estadual de Transportes, Raul de Bonis, admitiu ontem a possibilidade de interditar parte do ramal ferroviário de Belford Roxo, onde quatro pessoas morreram e pelo menos 24 ficaram feridas, após a colisão entre dois trens da SuperVia, anteontem, em Pilares. Mas a intervenção na ferrovia poderá ser mais radical: segundo Bonis, o Governo vai contratar uma auditoria externa para analisar o processo de concessão do sistema ferroviário da Flumitrens à SuperVia. Caso se conclua que a empresa não está cumprindo seus compromissos, o estado poderá cassar a concessão.

A empresa prometeu investir R$ 1 bilhão até o ano 2001. Apesar da promessa, nos dois primeiros meses de administração, a SuperVia - que já está sendo chamada pelos passageiros de SuperFria - só investiu R$ 1 milhão. Se continuar nesse ritmo de maria-fumaça, o volume de investimento prometido só será alcançado no século XXII, mais precisamente, no ano 2166.

Ontem, o secretário esteveno local do acidente para fazer uma avaliação:

- Fiquei muito impressionado com a precariedade operacional. Mas só a partir do relatório da comissão especial saberemos o que será feito.

A comissão, composta por três engenheiros da secretaria e da Agência Reguladora de Serviços Públicos (Asep), tem 15 dias para apresentar um resultado. Os técnicos vão analisar os problemas encontrados no local do acidente e as principais falhas ao longo do ramal, onde já ocorreram dois descarrilamentos, um em novembro e outro na segunda-feira, ambos próximos à estação da Pavuna.

Segundo a Associação dos Maquinistas Ferroviários, pistas sobre a causa do acidente podem estar numa fita, recolhida pela SuperVia, em que são gravadas as comunicações via rádio entre maquinistas e o Centro de Controle Operacional.

Defensoria atenderá vítimas

O governador Anthony Garotinho pediu ao presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Iram Saraiva, assessoria técnica do órgão para analisar o Programa Estadual de Desestatização (PED) implantado durante o Governo Marcello Alencar. Garotinho disse que vai fazer uma investigação rigorosa nas privatizações de empresas públicas.

- O Governo anterior vendeu oito empresas e o estado está quebrado - disse ele.

Por determinação do governador, a Defensoria Pública designou os defensores Cláudio Mascarenhas e Paulo Gallier para dar assistência jurídica às famílias dos quatro mortos na batida de trem, e a todos os passageiros que quiserem entrar com uma ação indenizatória por danos morais e materiais.

Segundo Líbero Atheniense, 2 subdefensor público-geral, as vítimas devem procurar primeiramente a Defensoria Pública Geral do Estado do Rio, no Centro.

- Depois de analisado caso por caso, as pessoas poderão ser encaminhadas aos núcleos da Defensoria em cada bairro. As vítimas do acidente terão prioridade - disse Líbero.

Para quem quiser marcar um horário com os defensores Cláudio Mascarenhas e Paulo Gallier, basta ligar para o telefone 240-3377 ou ir à Defensoria Pública Geral do Estado do Rio, na Rua Marechal Câmara 314, no Centro. O atendimento é feito de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.

Já a Agência Reguladora de Serviços Públicos (Asep) colocou ontem à disposição do público um telefone, de ligação gratuita, para receber queixas de serviços. Segundo o diretor da Asep, Hequel da Cunha Osório, o telefone (0800-265151) só deve ser usado por quem não conseguiu resolver seu problema junto à prestadora do serviço.

Maquinista está traumatizado

O maquinista Eduardo França de Oliveira, que sobreviveu ao acidente, não prestou depoimento ontem na delegacia nem na comissão de sindicância instaurada na SuperVia. Segundo o presidente da Associação dos Maquinistas Ferroviários, José Marques, Eduardo está traumatizado e a associação indicou um terapeuta para ajudá-lo. Segundo o presidente do Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil, Valmir de Lemos, o maquinista passou o dia de ontem descansando em casa de amigos. Valmir disse que Eduardo estava muito abalado e foi medicado com sedativos.

O maquinista teria dito aos sindicalistas que saiu com sua composição do desvio, depois que o sinal luminoso ficou verde. A colisão teria ocorrido a quatro metros da saída do desvio, dois segundos após ele ter dado partida.

- O sistema de sinais é automático. Mesmo que o controlador do CCO tenha determinado a abertura do sinal num momento errado, o sistema deveria ter recusado esse comando. Só se houve uma falha na sinalização - comentou um maquinista, que preferiu não se identificar.

Um inquérito foi instaurado ontem na 24ª DP (Piedade), para apurar os crimes de lesão corporal e homicídio culposo. A polícia vai chamar para depor, o maquinista, os diretores da SuperVia e as 24 vítimas, nas quais serão feitos o exame de corpo de delito. Também serão solicitados os laudos do Instituto Carlos Éboli e do Corpo de Bombeiros.

Necessidade supera o medo

A necessidade falou mais alto e foi a justificativa dos poucos passageiros e ambulantes que controlaram o medo e utilizaram, ontem mesmo, os trens do ramal de Belford Roxo. No dia seguinte ao acidente que resultou na morte de quatro pessoas e ferimentos em pelo menos outras 24, os usuários chegavam a aguardar mais de uma hora para poder embarcar numa composição. Durante a espera, o violento acidente era o único assunto dos passageiros.

- Na hora da batida estava no terceiro vagão e caí de joelhos. Pensei que o trem tivesse saído da linha. A sorte é que estava vazio e não corria - recorda o ambulante Décio Luiz Vale, de 42 anos, que apesar do joelho machucado, voltou ontem mesmo a vender balas, para garantir seu sustento .

Ao lado do marido e da filhinha de 2 anos, a dona de casa Rosemary de Souza, de 32 anos, não escondia seu temor.

- Eu disse que estava com medo de pegar esse trem, mas meu marido teimou - contou.

Apesar dos apelos da mãe para que não pegasse o trem de Belford Roxo ontem, a estudante Daniele Cirino, de 22 anos, preferiu correr o risco.

- Vim de ônibus para o Centro, mas resolvi voltar de trem porque desço mais perto de casa, em Honório Gurgel. O pior desta linha é que não tem segurança, vive tendo assalto - contou Daniele, que chegou à plataforma da Central às 9h, mas esperou até às 10h45m para que o trem de Belford Roxo saísse.

Temos telefone na cabine. Às vezes ele funciona. Outras, não

Carlos Alberto Teixeira, 46 anos, maquinista, é integrante da comissão que analisará as causas do choque entre dois trens, terça-feira, em Pilares

Trabalho há 20 anos como maquinista, sendo que 16 deles somente no ramal de Belford Roxo. Quando entrei aqui, ouvi que maquinista era como goleiro: quando o time ganha, tudo bem. Mas quando perde, é o culpado pela derrota. Acho que é preciso tirar essa carga do maquinista. Na hora que ele chega a um cruzamento, é obrigado a tomar conta de tudo. Temos telefone na cabine, só que, às vezes, funciona, outras não. Numa situação dessas, tem que ter alguém do outro lado da linha, lá na Central de Operações, orientando sobre o que está acontecendo à frente, para a gente saber se pode prosseguir ou não com a composição. O descarrilamento acontece por causa do abandono em que se encontra a ferrovia. Mas o acidente entre dois trens, da forma que aconteceu, demonstra que é preciso ter alguns cuidados que não estão sendo tomados. Não posso apontar somente a sinalização como a causa do choque das composições. Não é um único fator que provoca um acidente. Na verdade, são vários fatores que, em conjunto, acabam provocando um imprevisto. Eu e outros quatro maquinistas, que também trabalham neste ramal de Belford Roxo, vamos fazer parte de uma comissão que vai analisar o que houve. Só com o resultado da análise a gente vai saber, ao certo, o que aconteceu no dia do acidente.


Com Ana Cristina Campos e Cláudia Rodrigues