Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, novembro 01, 1998

O fim do sufoco nos trens

Consórcio SuperVia assume hoje a administração de 92 estações ferroviárias

RIO (Extra) - Andar de trem vai ficar mais seguro: o consórcio SuperVia, que assumiu à meia-noite a operação dos trens no estado, aumentou em 50% o efetivo da segurança. A partir de agora, 400 PMs e 750 vigilantes - contingente de três batalhões médios de polícia - têm a missão de acabar com o comércio ambulante, os surfistas ferroviários e combater o tráfico de drogas.

A estratégia foi apostar em sangue novo: a SuperVia não herdou da Flumitrens os antigos policiais ferroviários, um contingente que reúne 360 homens. Eles não atuarão mais nas 92 estações e nos 182 quilômetros controlados pelo consórcio. Os novos vigilantes não têm formação voltada apenas para a repressão. Eles tiveram cursos de primeiros-socorros e noções de atendimento ao público.

A tarefa mais difícil, o combate ao tráfico de drogas, ficará a cargo do Batalhão Policial Ferroviário e das demais unidades da PM que atuam nas áreas cortadas pelos trilhos.

Com mais segurança, a concessionária espera atrair aqueles que nunca pisaram em um trem ou passaram a andar de ônibus. Segundo a relações-públicas Ivone Malta, a Super Via pretende transformar o trem em um meio de transporte para toda a família, deixando de servir somente aos trabalhadores. A meta é alcançar 1,4 milhão de passageiros até 2002.

A faxina geral começa hoje, quando os trens não circularão. Amanhã, eles começam a entrar na linha, a partir das 4h. Para isso, o consórcio terá que eliminar problemas crônicos como, por exemplo, atrasos, quebras e sucateamento das composições.

Ivone Malta adianta que uma central de informações está sendo projetada para que os atuais e os novos usuários se orientem antes de viajar. Também serão investidos US$ 3 milhões por ano na requalificação dos funcionários.

- Vamos implantar uma central de atendimento computadorizada informando, por exemplo, horários de partida e trajetos dos trens. Pretendemos atender quem não usa e nunca usou o sistema e reconquistar aqueles que abandonaram o serviço por causa da degradação, fazendo com que essa gente possa se programar. No futuro, o trem será um transporte realmente coletivo, visando o lazer e a família. No momento, é só de trabalho.

Pontualidade acima de tudo

O primeiro passo para que a SuperVia conquiste a confiança do público já foi dado: a frota de trens aumentou de 75 para 85 composições. Ainda é pouco, considerando-se que o resto das 230 locomotivas está sem condições de uso. Em compensação, Ivone Malta garante que os trens que estarão circulando não vão mais apresentar problemas mecânicos. Até março, haverá mais 20.

- São 85 trens confiáveis, 25 dos quais foram modernizados. A aparência é a mesma, exceto pela nossa logomarca, mas os trens não vão quebrar ao longo do dia - assegura a relações-pública da empresa.

No que depender da vontade dos passageiros, a concessionária concentraria todos os seus investimentos na manutenção e compra de novos trens. A explicação dos usuários é simples e unânime: se o horário das viagens for respeitado, ninguém chegará atrasado ao trabalho. Segundo o presidente da Flumitrens, Murilo Junqueira, a SuperVia terá R$ 479 milhões para aplicar na melhoria do sistema. Desse montante, R$ 216 milhões virão do Banco Mundial e do Governo do estado.

- Chego ao quartel todo dia atrasado. Acordo às 5h10m, mas não adianta levantar cedo porque não dá para pegar o trem vazio. Perdi o que veio na frente deste, porque não dava para entrar. E ainda desço em Deodoro para pegar um ônibus até Guadalupe. Se tivesse mais trens, isso não aconteceria - reclama o soldado bombeiro José Cândido da Silva, de 42 anos, usuário do ramal que parte de Japeri em direção à Central do Brasil.

A faxineira Joacy Bastos também integra o coro dos descontentes:

- Outro dia fiquei esperando o trem por quase uma hora e meia. Acordo às 6h e nunca viajei sentada. Se o trem andasse no horário, não ficaria lotado - diz ela, que tem 42 anos, mora no distrito de Austin e todos os dias desce na Central, onde faz baldeação para o Flamengo, local de seu trabalho.

Vandalismo sobre trilhos

Além de investir anualmente US$ 3 milhões na preparação dos funcionários, a SuperVia também lançará uma campanha de conscientização para que o próprio usuário zele pelo novo serviço como se fosse um bem próprio, a exemplo do que ocorre no metrô. Tal preocupação se justifica até por uma questão de segurança.

- Todos os vagões têm sistema de trava, mas o usuário o destrói. A cada dia, vários deles vão para a oficina por causa disso - conta Ivone Malta.

Ela acrescenta que os 25 trens modernizados contam com travas nas portas externas e internas, impedindo a circulação entre os carros.

De acordo com o presidente da Flumitrens, Murilo Junqueira, o problema é mais grave nos ramais de Belford Roxo, Gramacho e nas linhas auxiliares, onde os trens circulam em condições precárias:

- A questão do vandalismo nesses trechos é mais grave. Os trens têm um sistema semelhante ao do metrô, que os impede de andar com as portas abertas. Mas tivemos que desativá-lo há vários anos para que os trens pudessem andar.

Ao contrário do que se pensa, as portas não são abertas por causa da superlotação. Quinta-feira passada, uma equipe do EXTRA fez o percurso Japeri-Central. Na segunda estação, em Engenheiro Pedreira, onde os carros ainda não estavam cheios, já havia passageiro abrindo a porta.

Segurança tem de enfrentar traficantes

Mas para fazer do trem um meio de transporte para famílias, a direção da SuperVia terá que se livrar da presença dos traficantes. Segundo a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, 31 das 122 estações de toda a rede ferroviária estadual são usadas para transportar e comercializar drogas. Das 92 paradas adquiridas pela SuperVia, a mais preocupante é a de Vieira Fazenda (ou o que sobrou dela), na Favela do Jacarezinho.

A plataforma de passageiros e as duas roletas destruídas são os últimos indícios de que um dia houve uma estação funcionando normalmente naquele lugar. Hoje, todos embarcam sem pagar, graças às ameaças dos traficantes, que transformaram o local em uma boca-de-fumo estratégica. Para isso, a SuperVia espalhará 600 vigilantes ao longo dos trilhos.

- Não fazemos policiamento em Vieira Fazenda nem com os nossos homens. É a PM que faz as intervenções - diz Murilo Junqueira, que deposita suas esperanças nos 430 homens do Batalhão Policial Ferroviário e nos 240 agentes de segurança da Flumitrens.

Entretanto, nem mesmo a presença de um Posto de Policiamento Comunitário na favela é capaz de inibir os bandidos. Segundo o presidente da Associação dos Policiais Ferroviários, Macário da Matta, o efetivo policial ainda é insuficiente.

- É preciso 1.200 homens preparados para enfrentar situações de tumulto e lidar com os passageiros, O trabalho desses seguranças da SuperVia não será suficiente. E se um deles morrer em confronto com os traficantes? Quem vai se responsabilizar?

Usuário quer mais trens e maior conforto

São 7h40min na Estação de Japeri, na Baixada Fluminense. O trem ainda está vazio quando parte em direção à Central do Brasil, em uma viagem de uma hora e meia para percorrer os 61,7 quilômetros do trajeto. Mas sete mil metros depois, em Engenheiro Pedreira, o quadro já começa a se modificar.

Assim que as portas se abrem, centenas de pessoas invadem os carros ao mesmo tempo. Todas querendo ocupar os últimos lugares vazios. E nem sempre madrugar significa garantir uma viagem descansada.

- Uma vez, peguei o trem às 4h e houve um defeito em Mesquita. Ficamos parados até as 7h. Tem dias em que o trem passa direto de tão cheio que está, sem contar que está sempre atrasado - conta José Severino de Azevedo.

- Até que hoje está vazio - brinca o frentista Abrão de Souza, de 39. - O trem é bom para o povo, porque é barato e rápido. Pena que vive quebrando no meio do caminho.

Números

300 mil passageiros utilizam atualmente os trens.

1,4 milhão de pessoas a SuperVia espera estar transportando no ano de 2002.

1,2 milhão é o recorde de usuários transportados pela Flumitrens (na greve de 1985).

92 é a quantidade de estações a cargo da SuperVia, ao longo de 182 quilômetros.