Tragédias policiais mofam nas gavetas

Burocracia, falta de policiais e o medo das testemunhas paralisam investigações, deixando crimes sem solução e bandidos impunes

RIO (Extra) - Ana Carolina da Costa Lino, de 18 anos, e Vanessa Cristina Marques, de 10. Duas vidas e duas tragédias entre as várias que chocaram o Rio de Janeiro este ano. A mais traumática foi a morte da estudante Ana Carolina, assassinada em abril por traficantes do Morro da Providência na saída do Túnel Santa Bárbara, em Laranjeiras, a 200 metros do Palácio Guanabara.

Na investigação do caso, muita confusão: houve disputa entre equipes policiais e a prisão equivocada do técnico em refrigeração Deílson Santana. Mesmo assim, quatro dos seis acusados do assassinato foram presos. Falta ainda recapturar Willian Rosa Cinelli, foragido da carceragem da 26 DP (Todos os Santos), prender Daniel César, o Neguinho Dan, e um marginal conhecido como Marcelo Lelão.

Vanessa também perdeu a vida bruscamente. Um grupo seguindo em alta velocidade num Passat preto em direção ao Morro do Dendê, na Ilha do Governador, passou na Rua Jaime Perdigão, atirando contra outro carro, e acabou atingindo a menina. Mas nem a repercussão do caso impediu que o inquérito se misturasse aos mais de três mil que se amontoam na 37ª DP (Ilha do Governador). Por enquanto, a polícia só tem informações vagas sobre a placa do carro, sem pista dos culpados.

Os dois casos são uma amostra do que ocorre nas delegacias e promotorias do estado. A maioria das investigações é arquivada por falta de dados e policiais para apurar, além do medo das testemunhas em depor. Hoje, a Polícia Civil conta com dez mil agentes, menos da metade dos 22.400 previstos na Lei 699/83.

- Não chegamos a uma conclusão. São três mil casos para oito detetives - diz o delegado da 37ª DP, Alcides de Jesus.

- As delegacias têm deficiências e quando acontece um caso de maior repercussão a gente dá mais atenção. Os outros ficam presos à burocracia - diz o delegado Marcos Drucker, da 20ª DP (Vila Isabel).

O secretário de Segurança Pública, coronel Noaldo Alves Silva, nega que haja esse tipo de favorecimento, mas admite os problemas:

- Não vejo por essa ótica. Damos atenção a todos. Os outros ficam sem apuração, porque muita gente tem medo de ir à delegacia.

Temor é o maior inimigo

Mesmo depois de concluídos pelas delegacias, os inquéritos continuam encontrando obstáculos. De acordo com a promotora Elizabeth Barbosa, da 3 Central de Inquéritos, em Duque de Caxias, o medo das testemunhas e a insuficiência de policiais travam a maioria das investigações.

- Há casos em que não há como apurar por falta de informação e, infelizmente, são a maioria. Falta pessoal para investigar e não podemos forçar as pessoas a dizer o que não querem por causa do medo de represálias - lamenta a promotora, que tem "milhares" de inquéritos acumulados na 28 Promotoria de Investigação Penal, entre eles o do radiologista Sérgio Antônio Baptistella, preso no Rio Grande do Sul e réu confesso nos assassinatos de três médicos.

Na opinião do secretário de Segurança Pública, coronel Noaldo Alves Silva, a solução seria a criação de uma campanha conscientizando a população da necessidade de colaborar com a polícia. Para ele, o Disque-Denúncia foi um grande avanço neste sentido:

- O ideal seria uma campanha para que a população confie mais na polícia.

Apurações em marcha lenta

"Estamos quase na estaca zero". A afirmação é do delegado Jorge Campos, da 21ª DP (Bonsucesso), responsável pelas investigações dos assassinatos dos bicheiros Abílio da Silva Aleixo, o Abílio Português, e Paulo Roberto de Andrade Silva, o Paulinho de Andrade, mortos por pistoleiros profissionais em agosto e outubro, respectivamente.

Apesar da importância dos dois casos, os trabalhos da polícia não evoluem por falta de gente e de informações. Os dois inquéritos estão sendo apurados por uma equipe de seis policiais, preterindo outros três mil. Para piorar, a delegacia está sendo investigada pela Corregedoria Geral de Polícia Civil e todos os inquéritos em curso são apresentados ao corregedor-geral José Versillo.

Até agora, sabe-se apenas que o matador contratado para matar Abílio Português foi um ex-PM chamado Carlos Alberto, o Carlão. Segundo Jorge Campos, os dois assassinatos não têm ligação - como se pensava - e vai ser preciso sorte para descobrir os mandantes dos crimes:

- Parece que não há ligação. Mas vamos solucionar o caso. Sem fixar prazos.

Processos ficam sem andamento

Esquecidos nos livros de ocorrência, o desaparecimento de um bebê com uma semana de vida na Maternidade-Escola da UFRJ, em Laranjeiras, e a morte de outros dois em Acari correm o risco de nunca serem solucionados. Na madrugada de 28 de maio deste ano, Cristiane Andrade de Martins teve sua filha seqüestrada dentro da maternidade. Na época, o delegado Ronaldo Neves, da 9 DP (Catete), divulgou o retrato falado do casal que teria levado o neném, que se chamaria Natália.

De lá para cá, dois fatos contribuíram para que o caso não fosse elucidado: Neves morreu em um acidente em julho e a equipe da delegacia mudou há dois meses.

- Nem sabia desse caso - admite o atual delegado, Sérgio Valença.

No dia 13 de fevereiro, Douglas Maia, de 10 meses, foi encontrado afogado no Rio Acari, na Favela de Acari. De acordo com a mãe, Diva Maia, ele teria sido seqüestrado em casa. Nove meses depois, a tragédia se repetiu: desta vez, foi Brenda Maia, de 2 meses, quem se afogou numa banheira no último dia 25. Segundo o delegado José Bezerra, da 40 DP, a principal suspeita dos crimes é a própria Diva, que quase foi linchada por moradores da favela, mas não há provas suficientes para indiciá-la.