Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, março 28, 1999

Condomínio da PM vira refúgio na guerra do pó

Moradores de conjunto em Olaria convivem com tiroteios e assaltos

RIO (Extra) - Dizem que a casa de um homem é o seu castelo. O velho ditado, no entanto, não se aplica ao conjunto habitacional da Polícia Militar, em Olaria, onde cada um dos 4.160 apartamentos é uma verdadeira casamata na guerra que acontece entre os complexos do Alemão e da Vila Cruzeiro, que cercam o condomínio, freqüentemente atingido por balas perdidas. No Aurélio, o verbete casamata significa "abrigo subterrâneo, de grossas paredes, para instalação de baterias ou proteção de materiais e pessoas".

A diferença é que essas "casamatas residenciais" ficam nos 260 edifícios do conjunto, no meio do caminho dos tiros disparados das favelas. Os prédios ficam a 800 metros da Vila Cruzeiro e a mil do Complexo do Alemão. Essa distância, porém, não garante segurança contra outro perigo que habita o lugar: moradores e comerciantes acusam filhos de policiais militares vizinhos de envolvimento com traficantes e em roubo a residências.

- O que mais tem aqui é roubo à luz do dia. Eles esperam a gente sair para levar tudo de casa. São filhos de PMs, muitos viciados, que se misturam com traficantes. Todo mundo sabe quem são, mas ninguém denuncia porque todos se conhecem aqui - afirma a comerciante X., moradora do conjunto há 20 anos.

O PM reformado Nilson Caputo, de 64 anos, já viveu essas duas situações e sua história é famosa nas redondezas. Há quatro anos, sua geladeira foi destruída por um tiro de fuzil AR-15 vindo da Vila Cruzeiro. A bala atravessou a janela de seu apartamento, duas cortinas, a sala de estar e a cozinha, onde penetrou o refrigerador.

Assustado, ele levantou uma parede onde era a entrada da cozinha, que fica na direção da janela e da favela. Ou seja, construiu uma casamata. Um ano depois, roubaram-lhe a bicicleta e dois botijões de gás:

- A bala destruiu tudo na geladeira. Se houvesse alguém na cozinha, seria atingido. Depois, houve esse roubo. Todos sabem que há filhos de PMs envolvidos nisso e com o tráfico. Eles já têm um histórico de delitos.

Trocaria meu apartamento por uma casa na favela sem pensar

A comerciante X., de 29 anos, mora há 20 no conjunto habitacional da PM e diz que se sentiria mais segura no morro

Tem um monte de apartamento com marca de bala aqui. Tem o do Edson, no bloco 11, na quadra G/H, o da Diva, no bloco 15, na quadra J/K, e outros dois, também na quadra J/K. Mas tem muito mais por aí. É só procurar. Já foi pior, quando a guerra entre o pessoal do Alemão e da Vila Cruzeiro estava pegando fogo.

E tem os roubos dentro de casa. Todo mundo sabe que filhos de PMs estão metidos com traficantes desses dois morros. Eles sabem quando não tem ninguém em casa e limpam tudo.

Há pouco tempo levaram tudo da dona Hélia, no bloco 13, da quadra G/H. Ela é viúva e não encontrou nada em casa. A casa da minha vizinha também foi saqueada por esses caras.

Eles só roubam dos pobres. É por isso que trocaria meu apartamento por uma casa na favela num piscar de olhos. Lá, os traficantes não deixam que ninguém roube ou estupre. Os bandidos só mexem com quem deve para eles. Acho que viveria mais em paz.


Destino de desafetos é o 'microondas'

As histórias de assaltos e balas perdidas cravadas nos apartamentos são antigas e se repetem em cada esquina das ruas que cortam o conjunto, bem como o medo que cerca as pessoas, que temem denunciar tudo abertamente. Além de Nilson Caputo, o também policial reformado Gérson Pereira, de 66 anos, encontrou a casa roubada em dezembro do ano passado e não tem dúvidas em afirmar que o crime está ligado a filhos de PMs:

- Esses garotos são terríveis. Levaram o videocassete, um relógio, fitas de vídeo e mais R$ 140. Eles sabiam que não tem ninguém em casa entre 11h e 15h. Volta e meia aparece alguém com um caso de roubo e de bala perdida em casa. A dona Hélia, por exemplo, ficou sem nada. Tudo isso é constante por aqui.

- Na verdade, moramos em uma bacia ilhada por morros. Não há o que fazer contra as balas - completa Caputo.

E, na falta de uma solução, há quem faça justiça com as próprias mãos, executando e ocultando os corpos desses criminosos.

- Quem é pego mexendo com a gente some - conta um rapaz, que também não quis se identificar. - No morro, eles jogam no "microondas" (tonel cheio de combustível onde as pessoas são queimadas, vivas ou não). Aqui, jogamos logo no valão.

Filhos de PMs do outro lado da moeda

Segundo o major José Luís Nepomuceno, ex-chefe do Serviço Reservado (P-2) do 16 BPM (Olaria), as informações sobre o envolvimento de filhos de PMs com o crime são conhecidas há muito tempo, mas a ação policial esbarra no corporativismo e em questões sócio-econômicas, além da guerra pelo controle do tráfico que domina a região. Desta forma, adolescentes poderiam estar atirando contra suas casas.

- Infelizmente, essas denúncias são antigas. Os pais trabalham o dia inteiro e não há uma escola ou um curso técnico para esses jovens, que ficam desocupados, sendo cooptados pelo tráfico. Eles começam roubando apartamentos e carros. O pior é que o povo não denuncia e causa mal-estar quando se prende o filho de um policial - explica o major, atualmente na P-2 do 9 BPM (Rocha Miranda).

A resposta para o problema pode estar em um projeto, que vem sendo elaborado pela Secretaria de Segurança Pública, financiado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, para retirar os policiais de áreas de risco, como favelas. De acordo com o subsecretário Luiz Eduardo Soares, o governo estuda duas possibilidades: abrir linhas de crédito para compra de casa própria ou construir conjuntos populares.

- Prefiro a primeira opção, para não ver policiais morando em guetos, como acontece com conjuntos já existentes - conta o subsecretário, acrescentando que o projeto deve estar concluído até o fim de abril.

Enquanto isso, resta como opção levantar muros dentro de casa, como fez Nilson Caputo. Outros pensam em sair dali, como a dona de casa Andréa Reis, de 29 anos, mãe de Paula e Ariane, de 2 e 7:

- Moramos no conjunto da PM e não temos segurança.