Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

terça-feira, junho 23, 1998

Rocinha em chamas

A PM decretou guerra aos traficantes da Favela da Rocinha. Em menos de 24 horas, quatro operações foram realizadas para tentar dominar os bandidos que, na madrugada de ontem, encurralaram quatro policiais, chegando a atirar em quatro carros, incendiando-os. Atrás dos veículos em chamas, os PMs tentavam se proteger do tiroteio, que durou mais de uma hora. Segundo os policiais, cerca de 50 traficantes, com fuzis e metralhadoras, atiravam de três pontos diferentes. Os PMs acabaram encurralados em frente ao Ciep Ayrton Senna. Sem munição e desesperados, pediram socorro pelo rádio.

- Anda logo! Estamos sem munição! Vamos morrer! - gritava um deles.

O primeiro reforço chegou logo. Mas, o cabo Prado e o soldado Damião, que vinham numa patrulha da 7 CIPM (Recreio), se tornaram alvos fáceis dos bandidos. Impedidos de reagir, os seis PMs abandonaram os carros e se refugiaram na mureta da pista.

Enquanto isso, os motoristas que vinham pelo Túnel Dois Irmãos fugiam pela contramão, assustados. Mais tarde, o túnel foi interditado. O único caminho que restou foi o da Avenida Niemeyer, por onde chegaram mais de 80 homens, em 20 veículos.

Policiais da Divisão Anti-Seqüestro (DAS) suspeitam que os traficantes iniciaram o tiroteio em represália contra investidas no morro. Horas antes, agentes da DAS foram à Rocinha para investigar informações de que a bailarina Mariana Roquette Pinto, seqüestrada sábado, estaria presa na favela.

Pela manhã, nova operação

Na manhã de ontem, cerca de 30 homens, incluindo policiais do Serviço Reservado do 23 BPM (Leblon), voltaram à Favela da Rocinha para uma operação de repressão ao tráfico. Apesar do forte aparato policial, apenas Wilson Cassiano dos Santos, de 29 anos, e Júlio César Loiola Miranda, de 33 anos, foram presos, cada um com uma trouxinha de maconha. Eles foram levados para a 15 DP (Gávea).

Os policiais subiram a favela pela Rua Via Ápia, local onde estavam concentrados os traficantes, desde a batalha da madrugada. Próximo à Rua 1, onde existe uma boca-de-fumo, houve uma rápida troca de tiros. Os bandidos conseguiram fugir e ninguém ficou ferido. De acordo com o comandante do 23 BPM, coronel João Carlos Ferreira, o tiroteio começou quando os traficantes perceberam a presença dos policiais em frente ao Ciep. A batalha da madrugada também terminou com a fuga dos bandidos, por volta das 3h. O soldado Marco Antônio Moraes ficou ferido com estilhaços de uma granada jogada pelos traficantes.

Memória

O fim de um ciclo de calma e tranqüilidade

A batalha de ontem rompeu um ciclo de tranqüilidade que reinava na Rocinha desde o começo dos anos 90. Na década anterior, o maior conflito aconteceu em 18 de agosto de 1987, quando cerca de 300 moradores e PMs se enfrentaram numa batalha campal, que durou aproximadamente seis horas. Enquanto a PM usava cassetetes e até bombas de gás lacrimogêneo, os moradores se defendiam com pedras e paus. No final, 17 pessoas estavam feridas e 10 carros depredados.

Chefão estaria no Nordeste

O tráfico de drogas na maior favela da América Latina, segundo policiais do Serviço Reservado (P-2) do 23 BPM, é controlado pelo traficante Nilton Ferreira do Nascimento, o Zito, que comanda um "exército" com aproximadamente cem homens. Eles trabalham nos pontos de venda de drogas como olheiros, seguranças e gerentes. Na quadrilha, pelo menos 20 membros são menores, de acordo com agentes da P-2.

O coronel João Carlos Ferreira não quis confirmar que a liderança do tráfico está nas mãos de Zito. Entretanto, disse ter informações de que o suposto chefão estaria escondido numa cidade do Nordeste, esperando a situação esfriar.

- Eu estaria sendo leviano se confirmasse quantos traficantes trabalham na Rocinha e quem é o líder deles - frisou o comandante.

A P-2 informou que há, pelo menos, 22 bocas-de-fumo na Favela da Rocinha. Os agentes disseram que o movimento de venda de drogas cresce nos fins de semana, quando aumenta a freqüência nas boates e festas da Zona Sul e Barra.

Quatro carros acabaram pegando fogo

O clima na Rocinha ainda era de apreensão. Ontem de manhã, alguns comerciantes preferiram não abrir as lojas com medo de novo confronto entre policiais e traficantes. Os moradores observavam de longe a ação da PM, que vasculhava o morro. Muitos dormiram fora de casa e só voltaram para tomar banho e ir trabalhar.

- O tiroteio durou até as 4h. Depois é que conseguimos subir. Eu tenho medo, mas preciso trabalhar - disse o mecânico J. C., de 48 anos.

Um dos donos dos carros que incendiaram lamentava a perda do veículo que não estava no seguro.

- Agora sou eu que vou arcar com o prejuízo. Vou cobrar de quem? - questionou José Lunge da Silva, dono de um Corcel 83.

com Fábio Gusmão