Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, abril 04, 1999

Aula com pincel e martelo

Pais, alunos e professores se juntam em mutirões para recuperar as escolas

RIO (Extra) - "Creio no sonho. Creio no trabalho. Sonhei, com paixão e ousadias, as utopias maiores que poderia sonhar. E não me arrependo (...)". O pensamento acima, grafado no Ciep Ministro Gustavo Capanema, na Vila Pinheiros (Bonsucesso), é do senador e antropólogo Darcy Ribeiro - falecido há dois anos, criador do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), entre outros projetos - e inspirou grupos de pais, alunos e professores de todo o estado a recuperar as escolas de suas comunidades.

Sem recursos oficiais (a Empresa de Obras Públicas, do estado, só tem R$ 4 mil para obras de emergência e o Fundo Rotativo da Prefeitura fornece até R$ 8 mil para as escolas), eles arregaçaram as mangas e pegaram em pincéis e martelos em mutirões nos fins de semana. E do sonho e suor dessas pessoas começa a surgir uma nova realidade: a da conscientização sobre a necessidade de se garantir a educação e o sentimento de responsabilidade pelos colégios.

Repleto de pichações, com sérios problemas estruturais e sem dinheiro, o Ciep Ministro Gustavo Capanema, que é municipal, foi palco de um mutirão de emergência durante três finais de semana, em janeiro. Os problemas principais não foram resolvidos, mas o aspecto da escola está muito melhor do que o encontrado em 1 de janeiro, quando a professora Eliane Ferreira assumiu a direção. A diretora convocou os pais para uma reunião e deste encontro surgiu o grupo Amigos do Ciep, formado por 20 pessoas.

Hoje, as paredes estão pintadas, as cem lâmpadas guardadas no almoxarifado foram instaladas, o jardim foi capinado e cercado com grades e o próprio nome do Ciep, recuperado. Tudo isso sem gastar um centavo com mão-de-obra. A rampa de acesso para deficientes foi construída com material doado por comerciantes.

- Acreditamos no sonho do Darcy. Fizemos menos do que é preciso e mais do que poderíamos em tão pouco tempo. Havia até cavalos na escola. Mais do que uma recuperação, o mutirão foi um plano de conscientização da comunidade - diz Eliane.

Os frutos desse trabalho já surgiram. Diogo Barreto, de 12 anos, aluno da 3 série, participou da revitalização do Ciep.

- Ajudamos a escola. Agora está muito melhor e temos que mantê-la assim - conta ele, feliz com os resultados do mutirão, que voltará a acontecer em abril.

Estudantes trocam diversão por faxina

Desde a criação dos Amigos do Ciep, o Gustavo Capanema vem passando por transformações visíveis, planejadas passo a passo nas reuniões organizadas nos fins de semana. Ex-aluno, Alexandre dos Santos, de 22 anos, conta que recuperar a escola significava resgatar a sua própria história.

- A escola não estava tão danificada quando saí, em 1993. Tenho ligações aqui. Ela é parte da minha vida - diz Alexandre, que ajudou a pintar as paredes.

Outro que trocou a diversão pelo mutirão foi Leonardo Lemos, de 11, estudante da 4 série. Junto com a mãe, Edileusa Costa, ele varreu, esfregou o chão e arrumou as cadeiras:

- Botamos tudo no lugar. Ficou tudo diferente. Antes era sujo. Agora, pelo visto, o pessoal vai cuidar mais da escola - conta.

A professora Janete Trajano concorda:

- Eles estão mais conscientes de que o espaço é deles.

Até quem não tem muito tempo durante a semana sacrificou sábados e domingos para dar vida nova ao Ciep. Aluna do Programa de Educação Juvenil, Ione Alves Lima, de 22, estuda à noite e, de dia, vai de novo à escola para deixar a filha de 5 anos no Jardim de Infância.

- Pintei, esfreguei, varri e ainda falta muita coisa - conta ela, orgulhosa do trabalho.

Segundo a coordenadora pedagógica Flora Prata, foram os próprios pais e alunos que listaram as necessidades do colégio:

- Eles reclamavam da sujeira. A Comlurb, então, instalou lixeiras, que agora estão transbordando, o que é um sinal do interesse em conservar o lugar sempre limpo. Agora, só falta a Prefeitura se juntar à gente.

'Mosqueteiros' têm até grito de guerra

A Escola Estadual Rosa dos Ventos, no bairro que leva o mesmo nome, em Nova Iguaçu, começa a vislumbrar um novo rumo para superar os problemas, que já se amontoam na porta de entrada. Em fevereiro, duas árvores caíram por causa das chuvas, derrubando o muro da escola. Segundo a diretora, Ana Isabel Rodrigues, funcionários da Prefeitura informaram que a Rosa dos Ventos era estadual e que não poderiam fazer nada, a não ser mandar o Corpo de Bombeiros cortar as árvores.

O entulho formado pelos destroços permaneceu ali até a semana passada, quando um dos pais recolheu tudo, comprometendo-se, depois, em reconstruir o muro. Sem dinheiro, Ana Isabel realizou um mutirão sábado passado para limpar e pintar o colégio. A decepção com a Prefeitura deu lugar à alegria em ver os alunos empenhados em salvar a escola.

À frente da garotada, destacam-se Bruno Leal, Fabiano Dias, ambos de 14 anos, Flávio Resende, de 16, e Edson Ribeiro, de 17, todos da 6 Série. Enxadas, pincel e vassouras nas mãos, os quatro são os "mosqueteiros" de Ana Isabel, adotando o grito "um por todos, todos por um".

- A gente se animou ao ver nossos pais trabalhando e resolvemos ajudar também. Consertamos um vazamento no banheiro e tentamos reparar um ventilador, emendando os fios. Acho que deu para o gasto. A escola agora está melhorando - diz Fabiano, diante das pedras e areia separadas para reerguer o muro e do mato alto, invadido por cavalos e a espera de uma capinada.

Em Barra Mansa, Sul Fluminense, o ditado "a união faz a força" também foi seguido à risca. A diretora da Escola Municipal Padre Anchieta, Maria Aparecida Xavier, está agendando uma reunião com os pais para organizar um mutirão, que deve acontecer em maio, quando a escola receberá a verba do FNDE, que foi de R$ 6,2 mil no ano passado, além dos recursos da Fundação Educacional de Barra Mansa.

A diretora, porém, diz que o dinheiro não foi suficiente para resolver tudo e que fará um levantamento entre os pais para conhecer suas profissões. A idéia é pedir ajuda para pequenos problemas.

Última reforma na escola foi há 12 anos

Construída em um terreno alagadiço, a Escola Estadual Barão de Tinguá, em Miguel Couto (Nova Iguaçu), agoniza por uma reforma, ou melhor, por uma reconstrução, como afirma a diretora Rosimar Teixeira. Durante as chuvas que castigaram a Baixada Fluminense, a escola foi invadida pela água, pela lama e pelo lixo de um valão próximo.

A verba de R$ 65 mil do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), repassada ano passado pelo estado, não foi suficiente para reparar os estragos.

Parte da culpa foi da própria comunidade. Em outubro, três adolescentes invadiram e incendiaram parcialmente a escola, destruindo todo o material de limpeza, avaliado em R$ 7 mil.

A diretora explica que há um prazo para se gastar a verba, sendo que as sobras têm de ser devolvidas, restando, então, a colaboração do Grupo de Associação Social e Política (Gasp), composto por moradores do bairro.

- A última reforma aconteceu há 12 anos, mas o ideal é reconstruir a escola. Estamos com o caixa zerado. Depois desse incêndio, a comunidade passou a participar mais, doando o material que perdemos, limpando e pintando a escola. Criou-se um sentimento de responsabilidade. Se dependesse do estado, estaríamos perdidos - diz a diretora Rosimar.

- Dava vergonha ver isso aqui. A comunidade é um pouco rebelde, mas a gente vai caminhando devagar. Capinamos a grama, consertamos os quadros-negros, as carteiras, o portão. O colégio é nosso e se não cuidarmos dele não haverá futuro - conta o comerciante Rogenvaldo Mendes Pereira, de 45 anos.

- Faremos um churrasco e um baile para angariar fundos e juntar o pessoal - acrescenta ele, que tem cinco sobrinhos na escola.

O serralheiro Dionésio Soila da Silva, de 47, resume a sua contribuição:

- Damos a maior força para as crianças poderem estudar sempre. A gente precisa disso.

Garotinho suspende obras

A Secretaria Estadual de Educação não dispõe de um fundo para restaurar e conservar as 1.955 escolas de sua rede. No dia 24 de fevereiro, o Diário Oficial registrou a verba destinada ao Sistema de Manutenção Predial, da Empresa de Obras Públicas: R$ 4 mil. Anteontem, o governador Anthony Garotinho baixou decreto cancelando o pagamento às empreiteiras até o próximo dia 2. Até que o governo encerre a auditoria nas contas, nenhuma obra será feita. Para a superintendente de Orçamento e Controle da secretaria, Maria Teresa Lopes Leite, houve desperdício dos repasses anuais, de R$ 40 por aluno:

- A nova política é democratizar esse repasse.

A Secretaria Municipal de Educação tem dois programas para conservar suas 1.029 escolas: o Conservando e o Fundo Rotativo.