Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

terça-feira, julho 20, 1999

Rede pública às cegas

Repórter percorre 14 unidades de saúde e não consegue fazer exame de grau

RIO (Extra) - Quem precisa de um exame oftalmológico na rede pública pode ficar às cegas, sem saber o que fazer. Ontem, a equipe do EXTRA percorreu, desde as 5h30m, 14 hospitais, postos e centros de saúde municipais, estaduais e federais para tentar marcar uma consulta e o resultado foi desanimador: após enfrentar filas que se formam de madrugada, o repórter não conseguiu realizar um exame de grau.

Segundo a Secretaria municipal de Saúde (SMS), a campanha nacional de cirurgias de catarata para pessoas com mais de 50 anos, do Ministério da Saúde, sobrecarregou toda a rede carioca, fazendo com que novos exames só sejam marcados a partir de agosto. No Hospital Geral de Bonsucesso, por exemplo, realizam-se consultas de emergência, porém que não oferecem exame de grau. Para isso, é preciso marcar novo exame por telefone, que só poderá ser feito após janeiro de 2000.

Sem ter a quem recorrer, as pessoas apelam para óticas, como as denunciadas domingo pelo EXTRA, onde um repórter com a visão perfeita obteve diferentes receitas em consultórios recomendando o uso de óculos.

- A dificuldade de se conseguir um exame na rede pública empurra a população para os consultórios de óticas. É mais fácil e de graça. Isso acaba saindo caro para o paciente, que pode sair de lá com óculos desnecessários - afirma o oftalmologista Juan Jimenes, do Centro Oftalmológico de Ipanema.

- Isso é terrível. A campanha federal, que deve se encerrar neste mês, nos sobrecarregou, mas voltaremos ao normal em agosto - diz o coordenador de programas especiais da SMS, Paulo César Mattos.

Médicos receitam um teste anual

Seriam necessários muitas noites mal dormidas e vários dias de trabalho perdidos para se conseguir cumprir as recomendações dos oftalmologistas: no mínimo, um exame de vista a cada dois anos para adultos que usam óculos, e a cada cinco anos para os que não usam. Já para as crianças, que usam ou não óculos, a indicação é de um exame de grau a cada dois anos.

- Isso é o mínimo. O ideal mesmo é que adultos que usam óculos façam um exame por ano, mas isso seria pedir demais para quem depende da rede pública - diz o oftalmologista Juan Jimenes.

Para o médico, que trabalhou por dez anos no Hospital da Piedade, a explicação para a dificuldade em se marcar um exame de vista não passa pelo Ministério da Saúde, como alega a Secretaria municipal de Saúde do Rio.

- A rede pública até que está bem aparelhada, mas faltam médicos e consultórios. A procura é muito grande para o número de médicos nos hospitais - garante ele, que alerta: exame de vista em óticas visa apenas vender óculos e não ajudar o cliente.

Segundo Geraldo Jacob, dono da rede de óticas Dimensão, uma reunião deve ser marcada hoje, com a Associação de Lojistas de Ótica para se discutir a questão.

No caso das crianças, a falta de um exame é ainda mais grave. Conforme elas crescem, o tamanho do olho muda e o problema oftalmológico pode surgir a qualquer momento. E o pior: as crianças que têm problemas e não se tratam até os 7 anos, perdem a chance de terem o grau corrigido com o uso de óculos.

- Se passar desta idade, a pessoa terá que usar óculos o resto da vida - diz Jimenes.

Segundo ele, uma lei municipal obriga que a escola peça exames de vista e auditivo a toda criança que se matricule para ser alfabetizada:

- Sei de uma ou outra escola particular que cumpre essa lei, apesar de estar provado que problemas auditivos e visuais são os principais fatores de repetência e mau aproveitamento escolar.

Toda alteração no olho da criança deve ser observada e tratada desde seu nascimento. Secreção, inchaço, olho branco ou desviado e terçol de repetição são sinais de que a criança deve ser levada ao oftalmologista imediatamente. Já as que não têm sintomas devem fazer o primeiro exame de vista aos 5 anos.

- Usar um óculos com grau errado ou sem necessidade não piora a doença, mas prejudica a visão e causa dores de cabeça - diz Jimenes, que faz a mesma ressalva para quem precisa de óculos e não os usa.


Com Flávia Junqueira