Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

segunda-feira, abril 26, 1999

O ano que não começou

Por falta de professor, cerca de 260 mil alunos da rede municipal estão sem aula

RIO (Extra) - A falta de professores afeta seriamente quase a metade da rede pública municipal de ensino, prejudicando centenas de milhares de alunos. Segundo a Secretaria municipal de Educação, as áreas que mais sofrem com o problema são as zonas Sul e Oeste, onde estão 510 das 1.033 escolas. A secretária Carmem Moura não arrisca dizer quantos estudantes estão sem aula, mas o coordenador geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) do Rio, Gualberto Tinoco, afirma que a carência no magistério atinge 40% dos 670 mil estudantes (288 mil).

O problema tem origem no início do ano passado, quando o prefeito Luiz Paulo Conde autorizou a realização de um concurso público em dezembro para contratação de 2.930 professores. Destes, 1.800 para o Primário. Entretanto, a burocracia do município impediu a convocação imediata dos aprovados, fazendo com que o ano letivo, que deveria ter iniciado no dia 4 de fevereiro, começasse apenas na semana passada em algumas escolas. Atualmente, há 32.200 professores na rede municipal.

No Ginário a situação é mais crítica. Há carência de porfessores de geografia, inglês, espanhol e educação artística. A secretária Carmem Moura diz que, ao contrário de 1998, não pôde completar o quadro do magistério municipal com contratações em regime de urgência.

- A lei não permitiu a renovação desses contratos, que duraram seis meses, até janeiro. De qualquer forma, a lotação dos professores termina nesta semana. Em seguida, vamos convocar os que estão na lista de espera, pois muitos desistiram de assumir o cargo. Priorizamos os de 1 a 4 séries para não deixar a criança em casa - afirmou Carmem Moura, prometendo resolver a questão até o fim de maio.

Ou seja, quase quatro meses depois de iniciado o ano letivo de 1999.

Legenda de foto:Alunos da escola Teotônio Vilela, na Vila do João, no Complexo da Maré, mostram as folhas dos cadernos em branco: secretária diz que situação só se normalizará em maio

Já estava cansado de passar os dias brincando, sem ir ao colégio

Anderson Assis Dias, de 10 anos, é aluno da 4 série da Escola Municipal Teotônio Vilela, na Vila do João, favela que integra o Complexo da Maré

Já estava cansado de passar os dias brincando e olhando outras crianças indo para a escola. Só na segunda-feira passada eu fui assitir às aulas, ainda assim em algumas matérias não há professor. Eu queria que as aulas começassem logo porque estava com saudade. Mas no meu colégio ninguém sabe me informar direito se vai ter ou não professor nas matérias que faltam. Além disso, não sabem informar também se haverá férias ou não no meio do ano. Quer dizer, não posso nem programar um passeio à casa da minha avó.


Aulas aos sábados para repor dias perdidos

Com a volta dos professores, prevista para maio, resta outro ponto a ser debatido no calendário escolar deste ano: a reposição das aulas perdidas.

- Vamos estudar as melhores estratégias, como aulas aos sábados e a prorrogação das aulas em uma hora. Cada escola vai relacionar suas necessidades - conta a secretária Carmem Moura.

Entretanto, o otimismo dela contrasta com o pessimismo da presidente da Apaep, Elaine Rodrigues. Para ela, o estrago já está feito e é irrecuperável, citando como exemplo o que aconteceu em 1994.

- Já vimos isso antes em 1994, quando houve uma greve de 24 dias e, depois, juntou com a Copa, virando bagunça e ficando por aquilo mesmo. Hoje é pior. Como ela promete isso se há escolas que ficaram mais de dois meses sem aula? - questiona.

Gualberto Tinoco, do Sepe, acrescenta outra equação a ser resolvida pela Secretaria de Educação: o déficit de professores. Carmem Moura afirma que a contratação dos 2.930 concursados soluciona o caso em maio. O quadro apresentado por Tinoco, no entanto, é mais negro do que o estimado pela Prefeitura.

- A carência de professores é muito grande. Faltam 3.245 profissionais e só foram convocados 2.930 - rebate o coordenador.

Tinoco vai além e diz que a distância da Zona Oeste amplifica a gravidade da questão, já que a maioria dos professores não vivem lá, desconhecendo o perfil daqueles alunos, prejudicando ainda mais a reposição do período letivo:

- A Zona Oeste é a mais prejudicada. Ali, só tem uma escola de formação de professores (Instituto Sarah Kubitschek). As pessoas não moram nem vivem ali. A chance que esses alunos têm de recuperar o ano são pequenas.

Turmas tiveram carga reduzida

Enquanto isso, os colégios vão se virando como podem para contornar a situação. Na Escola Municipal Teotônio Vilela, na Vila do João, no Complexo da Maré, Bonsucesso, algumas turmas tiveram a carga horária reduzida para que os professores disponíveis possam atender a todas. A medida, no entanto, não foi suficiente, fazendo com que os alunos de 3 série voltassem às aulas no fim de março. Os da 4 série retornaram na segunda-feira apenas. No Ciep Hélio Smidt, ainda na Maré, a falta de professores se alia à guerra de traficantes que ocorre na vizinhança.

- Minha filha de 8 anos estuda na 2 série e só tem duas horas e meia de aula. A diretora só diz que não tem professor e que, talvez, as crianças não tenham férias - reclama a dona de casa Filó Maria.

- Antes, o problema se restringia à Zona Oeste e à Sul. Agora, é generalizado. Várias turmas estão com horários reduzidos - denuncia a presidente da Associação de Pais e Amigos da Escola Publica na Cidade do Rio de Janeiro (Apaep), Elaine Rodrigues.

Associação: estamos alijados

A falta de diálogo entre pais e Prefeitura foi outro agravante que contribuiu para o quadro atual. Elaine Rodrigues, da Apaep, acusa o município de ter retirado o direito de a associação participar do Conselho Municipal de Educação. O órgão foi criado em julho de 1986 através da Lei 859, pelo então prefeito Saturnino Braga, e regulamentado por Luiz Paulo Conde no Decreto 14.522, de 11 de janeiro de 1996, tendo seus 12 membros empossados em agosto daquele ano.

Para tomar parte da mesa, as entidades civis devem estar registradas há, pelo menos, dois anos. Em novembro do ano passado, a Apaep - criada em 1994 - teve sua legitimidade questionada, sendo afastada do conselho.

- Entramos na Justiça para integrar o conselho. Em novembro, indeferiram o pedido. Mas, no segundo indeferimento, admitiriam que já existíamos no prazo exigido. Estamos tentando um mandado de segurança porque o conselho não conta mais com a participação de usuários - reclama Elaine.

Muitas páginas em branco

Sem assistir às aulas, alunos vão dando jeitinho

Alheios à discussão, os cerca de 268 mil estudantes prejudicados pela ausência de professores, segundo o Sepe, aguardam pelo desfecho da situação. Enquanto isso, as páginas onde deveriam constar lições de geografia, artes e línguas estrangeiras permanecem em branco. Impedidos de ter acesso à educação, alguns só retornaram às salas de aula há uma semana.

Tainara Regina de Araújo, de 11, confirma as palavras do colega de turma e lembra que a sina do narcotráfico na região dificulta o aprendizado.

- Foi muito ruim esse tempo todo em que ficamos em casa porque ficamos sem aula. Aqui, a gente aprende as coisas. Minhas irmãs estão na 1 e 3 séries e elas também ficaram sem professor. A única coisa que nos disseram é que ninguém queria trabalhar aqui por causa do perigo. Há pouco tempo, teve um monte de escola sem aula - diz ela, recordando a guerra travada em março entre traficantes das favelas Nova Holanda, Baixa do Sapateiro e Vila do João, que suspendeu as aulas em dez escolas do Complexo da Maré.

- Caramba! Se faltava professor, por que não botaram logo para trabalhar? Minha filha sente falta. Ela via o irmão indo para a creche e perguntava porque não ia para escola. Para que ela não ficasse à toa, botei-a para fazer natação. Passaram três meses e a situação não voltou ao normal. E eu não tinha dinheiro para bancar professora particular. Era uma situação insustentável - reclamou a caixa Mônica de la Peña, mãe da pequena Lara, de 5 anos, matriculada no Jardim de Infância da E. M. São Thomás de Aquino, no Leme, na Zona Sul.

Para não ficar para trás e correr o risco de perder o ano letivo, Marcelo Medeiros, de 8, da 3 Série da Teotônio Vilela, teve a ajuda de uma explicadora:

- As aulas voltaram no fim do mês passado. A minha sorte é que tem uma professora particular no meu prédio, que é amiga da minha mãe, e me ensinou matemática, português e comunicação. Assim, não precisamos pagar e nem fiquei tão prejudicado nos estudos.