Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

quarta-feira, maio 20, 1998

O tráfico anda nos trilhos

Preocupada com apreensão de 32kg de cocaína, PF fará operação nas estações

RIO (Extra) - Uma operação conjunta envolvendo policiais militares e federais para combater o tráfico de drogas nas estações ferroviárias dos ramais de Santa Cruz, Deodoro e Japeri será deflagrada nos próximos dias. Quem garante isso é o diretor da divisão de Polícia Federal de Nova Iguaçu, delegado Flávio Furtado:

- Ainda esta semana vamos entrar em contato com o comando batalhão ferroviário da PM. O ideal é que a ação policial ocorra o mais rapidamente possível.

A apreensão de 32 quilos de cocaína na estação de Ricardo de Albuquerque, no fim da noite de segunda-feira, atraiu a atenção da Polícia Federal para o problema. Segundo a Divisão de Repressão a Entorpecentes, esta foi a primeira vez que a polícia encontrou drogas naquela estação.

- Não imaginávamos que a coisa estava neste pé. Só a droga apreendida vale cerca de R$ 800 mil. É um valor muito alto, que seria transportado nos trens numa bolsa plástica - afirmou Furtado.

Apesar de não querer revelar maiores detalhes da operação, o delegado admitiu que até mesmo os trens cargueiros que cruzam o estado estão na mira da polícia.

- Não temos conhecimento do sistema de fiscalização destes trens, principalmente no que diz respeito ao embarque e desembarque de mercadorias - concluiu Furtado, que aguarda pelo exame pericial da droga, que foi transportada para a sede da Polícia Federal, na Praça Mauá.

Somente depois de ser determinado o grau de pureza da cocaína é que será traçada a linha de investigação com a Polícia Militar:

- Sendo pura, faremos as operações de uma maneira. Se estiver misturada, será de outra forma.

Pasta iria para o Muquiço

O tráfico de drogas começa a deixar o asfalto para ganhar os trilhos da rede ferroviária. Segundo policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), das 90 estações da Flumitrens, 31 são utilizadas pelos traficantes. Dessas, 70% são usadas pelo Comando Vermelho. Anteontem, a de Ricardo de Albuquerque entrou na rota do narcotráfico, onde a PM encontrou 32 quilos de pasta de cocaína pura.

Das 600 favelas existentes no estado, 200 trabalham com mais de 30 quilos de pasta, entre elas a do Muquiço (para onde deveria ir a droga). Nas grandes favelas, essa quantidade é consumida em uma semana. Já as menores gastam o triplo do tempo.

Para a polícia, os traficantes de favelas próximas à ferrovia optaram pelos trilhos por várias razões: facilidade de transporte de drogas, falta de policiamento e possibilidade de se misturar aos passageiros em caso de batida policial.

De acordo com a DRE, em 1990 as estações de Vieira Fazenda (Jacarezinho), Parada de Lucas e Vigário Geral já integravam essa operação. A investigação, que só se iniciou em dezembro do ano passado, foi interrompida em janeiro, sendo retomada nesta semana. - As estações viram bocas-de-fumo na hora do rush, já que a linha férrea é pouco vigiada e o trem é um meio de transporte de massa, com muitos consumidores. Além disso, há segurança para transportar as drogas, pois nas ruas os carros podem ser surpreendidos pela PM. Mas ainda não descobrimos conexões entre favelas - explica um agente da DRE.

Já vi traficante com isopor de picolé, mas vendendo cocaína

Macário da Matta, 36 anos, presidente da Associação da Polícia Ferroviária Federal, diz já estar acostumado com a ação dos traficantes

Até há dois anos, nós tínhamos uma equipe de 12 homens só para combater o tráfico de drogas nos trens. Quase todo dia havia flagrante de apreensão de maconha e cocaína. Mas em 1996 diminuíram nosso efetivo, de 814 para 350 homens, e os traficantes se aproveitaram. Muitos fingem ser camelôs. Eu já peguei traficante anunciando picolé, mas o que tinha no isopor era cocaína.

Em fevereiro deste ano, 20 marginais da Favela do Jacarezinho, armados com fuzis AR-15, pararam uma composição em Vieira Fazenda. Não assaltaram ninguém pois estavam à procura de policiais para matar. O maquinista, assustado, pediu reforço policial. O Batalhão Ferroviário da Polícia Militar negou, alegando falta de recursos. O 3º BPM, no Méier, chegou a ser acionado, mas também se recusou a enviar o reforço. Então, eu e mais três agentes acompanhamos a composição. Transferimos os passageiros do primeiro carro para o terceiro, assim ninguém ficaria ferido em caso de tiroteio. Quando chegamos lá eles já tinham ido embora. Isso é comum de acontecer.


Pelos vagões fica mais fácil

O tráfico de drogas corre solto nos trilhos da malha de trens do Grande Rio. Pelo menos para a Polícia Ferroviária Federal, o uso da linha férrea pelos traficantes não é nenhuma novidade.

- Há muito tempo que os marginais vêm usando o transporte ferroviário com freqüência. Na época da Rio-92, entreguei ao Comando Militar do Leste um relatório sobre as apreensões de drogas nas composições e plataformas. Nada foi feito e a situação só piorou - afirmou o presidente da Associação de Policiais Ferroviários do Rio de Janeiro, Macário da Matta.

Os dados da Polícia Ferroviária revelaram que, nos últimos cinco anos, foram registradas cerca de 400 ocorrências de apreensão de maconha e cocaína nos 274km de linha férrea. Em média, eram apreendidas de 30 a 50 trouxinhas das duas drogas em cada ocorrência. Para Macário, fazer o transporte de droga em pequenas quantidades foi a tática utilizada pelos traficantes para não serem reconhecidos pelos policiais.

Mas o coordenador de segurança da Flumitrens, Orestes de Morais, afirmou que nunca antes foi feita uma grande apreensão de cocaína, e que não há dados que comprovem que os traficantes estejam usando os trens para o transporte de entorpecentes:

- Hoje, eles usam até táxi para levar drogas. Mas é claro que não podemos dizer que a malha ferroviária não seja usada, até porque não temos como revistar cada um dos milhares de passageiros que andam nos trens.

com André Siqueira, Josiane Duarte e Marcos Nunes