Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

segunda-feira, outubro 26, 1998

Do estádio para a 18ª DP

Briga envolvendo o irmão leva Romário à delegacia

RIO (Extra) - Romário nunca imaginou que um pênalti perdido o levaria a uma delegacia. Pois foi o que aconteceu sábado, quando seu irmão, Ronaldo de Souza Farias, 31 anos, se envolveu em uma briga generalizada no Maracanã.

Ronaldo assistia a Flamengo x Guarani nas cadeiras especiais quando, no fim do primeiro tempo, não gostou de ouvir um insulto dado por Ricardo Ahmede, 22 anos, no momento em que o Baixinho chutou a bola para fora. Os dois brigaram e não viram o resto do jogo, sendo levados para a 18 DP (Praça da Bandeira).

A partir daí, surgem duas versões. Ricardo alega que foi logo cercado por vários amigos de Ronaldo, desencadeando a confusão. Ronaldo diz que houve apenas uma discussão, que se acirrou quando o pai de Ricardo, Alberto Ahmede, dono do jornal "O Povo", o ameaçou de morte. Os dois registraram queixa de agressão corporal na delegacia e foram fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal (IML).

O advogado Michel Assef, vice-presidente de futebol do Flamengo, declarou que entrará com uma representação criminal hoje, pedindo garantias de vida para Ronaldo. Para piorar, o próprio Romário foi à delegacia após a partida para saber o que havia acontecido. Foi o suficiente para tumultuar de vez o lugar, que, em dias de jogo, registra vários casos de roubo de carro nas ruas próximas ao Maracanã.

A notícia da presença do craque se espalhou rapidamente, atraindo uma legião de fãs. O Baixinho ficou ali por 15 minutos, mas não acompanhou o irmão brigão até o IML.

domingo, outubro 18, 1998

Um passado condenado

Estado não dá conta de conservar prédios históricos de delegacias do Rio

RIO (Extra) - Testemunhas e símbolos da História do Rio de Janeiro, a delegacia do Catete e o antigo prédio do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops), construído para ser a primeira sede da Repartição Central de Polícia do Distrito Federal, estão ameaçados de se perder na poeira do tempo. Apesar de serem tombados respectivamente como patrimônios históricos municipal e estadual, os dois edifícios correm o risco de acabar tombando. Mesmo.

O trocadilho não é gratuito. Em péssimo estado de conservação, esses prédios, construídos na primeira década do século, um dia representaram a sofisticação e o rigor da polícia. Hoje, estão em ruínas - sinal de tempos em que a criminalidade tem se apresentado bem mais equipada do que os órgãos de segurança.

Outro problema é a falta de recursos do Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), que não tem condições de fiscalizar as condições de conservação e as obras irregulares que desfiguram os prédios protegidos pelo estado.

- Como qualquer órgão público, não temos recursos financeiros e humanos para fazer um trabalho de fiscalização. A gente age por demanda - diz a diretora do instituto, Dina Lerner.

Fruto da reforma policial no Distrito Federal, a delegacia do Catete, inaugurada em 1909, também se perdeu no tempo. A atual 9ª DP foi estrategicamente construída na esquina das ruas do Catete com Pedro Américo, de modo a fazer com que as formas imponentes do edifício se impusessem no bairro, inspirando respeito e segurança.

Passados 89 anos, a delegacia agoniza à espera de uma reforma. A verba da obra (R$ 210 mil) já existe, mas aguarda pela licitação da Empresa de Obras Públicas, da Secretaria Estadual de Obras.

Entretanto, do outro lado da Baía, a 76ª DP (Centro), em Niterói, está sendo totalmente reformada. Erguida em 1922, a delegacia - que nem preservada é - foi sede da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio. Depois da fusão com a Guanabara, caiu no abandono. Em 1995, a prefeitura estabeleceu três Áreas de Proteção Ambiental e Urbana (Apa-U), entre elas a da Praça da República, na qual se encontra a delegacia. Agora, quem passa por ali nem imagina que aquele casarão colorido é um distrito policial.

Palacete com ar sombrio

Idealizado pelo arquiteto Heitor de Mello e concluído em 1910, o edifício da Rua da Relação 40 foi construído para ser a primeira sede da Repartição Central de Polícia. Palco de torturas no Estado Novo e de interrogatórios no já desativado Departamento de Ordem Política e Social, no regime militar, o prédio continua com aparência sombria.

Por fora, a monumentalidade do estilo eclético francês. Por dentro, a tecnologia do elevador e das salas para trabalhos técnicos representavam um salto no tempo.

Mas quem percorre as atuais dependências da Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos e da Coordenadoria de Inteligência e Apoio Policial, encontra o mármore das escadarias arrebentado, janelas improvisadas como grades de proteção, infiltrações e falta de iluminação.

- O prédio nunca passou por uma reforma desde que foi tombado, em 1987 - lamenta Dina Lerner, do Inepac.

Como no caso da 9ª DP, o edifício também espera pela licitação da obra de restauração, avaliada em R$ 803 mil.

sexta-feira, outubro 09, 1998

Este não morre nunca mais

Homem despenca do 10 andar ao fugir de incêndio e só sofre arranhões

Alexandre Teodoro Oliveira Caetano, de 23 anos, é realmente uma pessoa de sorte. Afinal, não é todo dia que alguém cai de uma altura de dez andares e ainda sai andando. Ontem, às 7h, ele estava encurralado por um incêndio dentro de seu quarto, no apartamento 1003 do edifício Brilhante, no condomínio Parque Residencial Eldorado, na Rua Gonzaga Bastos, em Vila Isabel.

Acuado, arrebentou três barras da grade de alumínio da janela para escapar das chamas. Após tentar alcançar o apartamento de cima, Alexandre despencou de quase 35 metros, resvalou em um toldo no quarto andar, fazendo com que sua queda fosse desviada 1,5 metro à esquerda, em direção a três cabos de eletricidade de 13,8 mil volts - suficientes para iluminar de 30 a 40% de Vila Isabel. Graças aos fios, que amorteceram a queda, ele escapou da morte.

Por incrível que pareça, Alexandre só queimou os braços e o pé direito, além de sofrer duas escoriações, sem uma única fratura. Detalhe: chegando ao chão, Alexandre se levantou, andou, disse que estava bem e, segundo vizinhos, pediu para telefonar para a Líder Táxi Aéreo, onde trabalha como motorista.

À meia-noite, Alexandre voltou do serviço e resolveu fazer uma faxina no apartamento. Depois de limpar os móveis com um pano de álcool, ele disse que se trancou no quarto para dormir. Entretanto, a brasa do cigarro que fumava caiu sobre o pano, iniciando o incêndio.

- O fogo já estava me lambendo e pedi socorro. Daí, arrebentei a grade para tentar chegar à casa do vizinho. O fogo, então, esquentou a grade e não consegui me segurar. Mas Deus pode tudo. Foi um milagre - contou Alexandre, antes de ser transferido para uma clínica particular.

A palavra suicídio, porém, circulava entre vários moradores do condomínio.

- Tentamos arrombar, mas tinha uma mesa e um sofá escorando a porta. Além disso, ele se trancou no quarto e ficou lá - contou Marcos Maia, vizinho do motorista.

Escritora assiste a tudo da janela

Por alguns minutos, a escritora Brasiele Neves, de 31 anos, viveu momentos típicos da ficção. Assim como em "Janela indiscreta", de Alfred Hitchcock, filme no qual o personagem interpretado por James Stewart assiste ao assassinato de uma mulher, ela também presenciou o drama de Alexandre Caetano da janela de sua casa.

Brasiele, como os demais moradores do condomínio, acordou assustada com os gritos de que havia um incêndio. Da janela, ela viu as chamas consumindo todo o quarto de Alexandre, enquanto o rapaz tentava se salvar. De acordo com ela, depois da queda, o motorista quicou duas vezes sobre os fios de alta tensão:

- Ele ficou do lado de fora e tentou se agarrar ao ar-condicionado do vizinho de cima. Ele estava sem saída, tentando se segurar em alguma coisa. Foi horrível.

Foi um desespero, mas Deus pode tudo

Alexandre Caetano escapou da morte ao cair sobre fios de alta tensão, após despencar do 10 andar de seu prédio

Trabalho das 18h à 0h e não sinto sono de madrugada. Então, resolvi fazer uma faxina geral no apartamento. Nem senti o tempo passar. Quando vi, já era de manhã. Limpei a casa de madrugada e deixei os móveis amontoados no canto da sala. O apartamento é pequeno e tinha que colocá-los em algum lugar para poder limpar o chão. Daí, fui para o quarto e o fechei com a chave. Sempre faço isso.

Limpei todos os móveis com álcool e estava fumando. No quarto, tirei pó de uma caixa de som e parei um pouco para tirar um cochilo. Nem cheguei a dormir. Só me sentei na cama, deixei o pano ao lado e fiquei fumando. Acho que a brasa do cigarro caiu no pano com álcool, que pegou fogo e atingiu o travesseiro. Quando me dei conta, já estava jogando um cobertor por cima do fogo para abafar, mas não adiantou.

As chamas começaram a se espalhar, tentei abrir a porta do quarto, mas a chave quebrou. Comecei a pedir ajuda, gritando que estava morrendo e meti o pé na grade da janela para arrebentá-la. O fogo já estava me lambendo todo. Foi um desespero total. Mas Deus pode tudo. Pensei que não tinha mais jeito.

Naquela hora, a única coisa que me veio à cabeça foi ter fé em Deus. Tentei passar para a casa do vizinho de cima, mas não consegui. Também tentei alcançar outra janela, mas não deu. O fogo esquentou a grade e não consegui me segurar por que estava muito quente. Caí e bati com as pernas nos fios. Foi muita sorte, um milagre.

Estão dizendo que tentei me matar? Mas não tentei me matar. A gente nunca pensa no pior. Não podia imaginar o que ia acontecer quando botei os móveis na porta. E no quarto tinha duas camas e uma cortina. O fogo se alastrou por todo o lugar.

Depois disso, vou ser mais humilde e mais correto com as pessoas.


A vida salva por três fios

De acordo com o professor de Física Ricardo Barthem, o motorista Alexandre Teodoro não sobreviveria ao impacto com o chão se não fossem os fios da rede elétrica, que amorteceram a queda.

- Os fios funcionaram como uma cama elástica. Mesmo assim, durante três décimos de segundo, ele recebeu o impacto de uma tonelada sobre seu corpo - disse o professor, que leciona no Instituto de Física da UFRJ.

A pancada sofrida por Alexandre nos fios equivale a um soco do campeão de boxe Mike Tyson, em sua potência máxima, ou a dez pessoas adultas, em pé, pisoteando-o durante três décimos de segundos.

Ao atingir a rede elétrica, sua velocidade era de 90 km/h. Menos mal, porque, sem o anteparo da rede, seu corpo chegaria ao chão sofrendo o impacto de 25 toneladas, em uma velocidade de 95 km/h.

Depois de amortecida - considerando uma deformação nos fios de até dois metros - a queda de Alexandre foi equivalente a um tombo do segundo andar do prédio. No entanto, é difícil calcular o valor preciso do impacto depois da queda ter sido amortecida pelos fios.

- Seria preciso saber com exatidão o quanto os fios se esticaram. Ele ainda teve sorte porque, provavelmente, os fios eram encapados. Se não fosse isso, morreria eletrocutado - explicou Barthem.

Há pouco mais de três meses, outro milagre também chamou a atenção: José Mauricio da Silva e Francisco Ximenes Albuquerque, que estavam dentro de uma Topic na Ponte Rio-Niterói, foram arremessados ao mar de uma altura de 35 metros. Eles sobreviveram, mas Rogério Francisco da Silva morreu na queda.

Com Gustavo de Almeida