Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, abril 04, 1999

As 100 cilindradas do tráfico

Mais práticas e menores, as motonetas são a nova arma dos bandidos

RIO (Extra) - Traficantes de todo o estado e jovens de classes média e alta têm a mesma preferência quando o assunto é transporte sobre duas rodas. Pequenas e ágeis, as motonetas vêm se tornando um eficiente veículo para transportar e vender drogas, driblar batidas da polícia, vigiar a aproximação de quadrilhas rivais e até impor toque de recolher, como aconteceu no Complexo da Chatuba, em Nilópolis, mês passado.

Os sinais da adoção dessas motocicletas - Honda C 100 Biz, Yamaha Jog 50 e Scooter Tchau 50 (da Agrale) - surgiram em novembro de 1998, mas a polícia só constatou o fato em março deste ano. Terça-feira passada, policiais da Metropol XIII (São Gonçalo) apreenderam duas motonetas (placas KOV-3842 e JTN-9101) no Morro do Menino de Deus, em São Gonçalo.

Detidos, Bruno Coutinho, de 18 anos, e Roney Ferreira da Cruz, de 19, disseram que pagaram R$ 300 a traficantes do local. Segundo o chefe de operações da Metropol XIII, Jamil Alves, o ponto de partida das investigações foi a recuperação de uma motoneta no Morro do Salgueiro, naquela cidade:

- Desde então começamos a ver que essas motocas têm ligação com o narcotráfico, que antes utilizava apenas carros e bicicletas para fazer bonde (transporte de drogas) e vender drogas no asfalto. Antes, havíamos apreendido uma com 1kg de entorpecente escondido nela - diz.

O policial acrescenta que os bandidos não medem esforços para roubar essas motos:

- Uma vítima foi roubada por quatro caras que chegaram num Passat. É um esquema forte, montado pelo tráfico.

De acordo com agentes do Serviço Reservado do 7 BPM (Alcântara), há outras quatro circulando no Menino de Deus.

- Elas estão lá desde novembro, sendo usadas pelos traficantes e pela população. Mas é no Salgueiro que se usa mais - conta um dos PMs.

Toque de recolher em Nilópolis

Do outro lado da Baía de Guanabara, o delegado Luiz Torres tem uma motoneta apreendida no pátio da 53 DP (Mesquita). No dia 3 de fevereiro, os policiais encontraram uma Yamaha Jog 50 na Rua Heitor Costa Val, em Mesquita. O condutor fugiu, mas Luiz Torres não tem dúvidas sobre o uso do veículo.

Ele lembra que foi a bordo de uma Honda C 100 Biz que traficantes do Complexo da Chatuba, entre Nilópolis e Nova Iguaçu, impuseram um toque de recolher aos moradores da comunidade há um mês.

- A gente detectou que eles fazem um tráfico de varejo e tomam conta da movimentação com essas motos. Além disso, elas também servem para o bonde e para vigiar a polícia e uma eventual invasão de adversários - explica.

No asfalto, as motonetas são usadas em uma espécie de serviço de entrega a domicílio, sem que o usuário precise ir à favela comprar drogas:

- Elas servem para atender o viciado que tem medo de entrar na favela. Em Nilópolis, eles usaram uma moto dessas para impor o toque de recolher. Com certeza, há outras por lá - afirma o delegado, que está com uma equipe na rua investigando o caso.

Utilização de motonetas foi apontada pelo EXTRA

O primeiro sinal de utilização das motonetas surgiu em novembro do ano passado, quando policiais do Serviço Reservado do 7 BPM detectaram sua existência nos morros do Menino de Deus e do Salgueiro, em São Gonçalo. A PM sabe que há quatro motocicletas sendo usadas por traficantes, que também as emprestam aos moradores dessas comunidades.

Mas foi no Complexo da Chatuba, em Nilópolis, que surgiu o primeiro caso notório. Aterrorizados pela guerra pelo controle do tráfico de drogas na região, moradores denunciaram que traficantes circulavam em uma Honda C 100 Biz impondo toque de recolher, conforme o EXTRA denunciou no dia 4 de março.

Um mês antes, uma Yamaha Jog 50 foi apreendida em Mesquita. No dia 25 de fevereiro, outra prova do interesse dos bandidos pela motoca: uma concessionária da Honda, no Jardim Botânico, teve quatro C 100 Biz, de R$ 2.500, roubadas.

Tamanho favorece a fuga

Opinião corrente na polícia, as motonetas são o veículo ideal para escapar com facilidade de perseguições em vielas e de operações policiais, graças ao seu pequeno tamanho.

- Elas circulam em ambientes que os nossos carros não conseguem entrar. Não só pelo pouco espaço lateral como também pelo tipo de piso. No asfalto, fogem devido à agilidade nas manobras, seguindo por becos estreitos - enumera o delegado Luiz Torres.

Além dessas dificuldades, agentes do 7 BPM apontam outros obstáculos.

- Geralmente, elas são usadas por menores, que não levantam muita suspeita. Principalmente no Salgueiro. E várias não têm placa, já que não há essa obrigatoriedade - lamenta um dos PMs.

Diante desta nova realidade, Jamil Alves, da Metropol XIII, só vê uma solução:

- A atenção tem que ser muito maior. Temos que fazer blitz em todas elas.

- Só podemos pegar em flagrante ou com sorte - lamenta o PM.