Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

segunda-feira, maio 31, 1999

Presos se rebelam na Barra

Detentos serram grades e mantêm detetive como refém por quatro horas

RIO (Extra) - Quatro horas de gritos, grades de ferro batendo, ameaças. Uma rebelião de 97 presos contra a superlotação da 16 DP (Barra da Tijuca) - que tem capacidade para apenas 50 detentos - mobilizou ontem a polícia. A principal exigência foi atendida: à noite, 25 presos foram transferidos e outros foram levados provisoriamente para a 10 DP (Botafogo) até que a carceragem, parcialmente destruída, seja reformada.

Eram 9h30m quando o detetive Fábio Guimarães Silva, de 33 anos, ouviu um forte barulho de grades batendo. Mesmo prestes a sair do trabalho, foi ver o que acontecia e acabou rendido. Os presos estavam armados com barras de ferro que serraram de três das cinco celas.

Os rebelados fizeram várias exigências, como telefones celulares, presença da imprensa, do governador e de um representante da Comissão dos Direitos Humanos da OAB. É na 16 DP que estão presos o filho do cantor Wando, Wanderley Alves dos Reis Júnior, de 22 anos, e o irmão do jogador Edmundo, Luiz Carlos Alves de Souza, de 24.

Policiais da 7 CIPM (Recreio), da Coordenadoria de Inteligência e Apoio Policial (Cinap) e do Esquadrão Antibombas cercaram o prédio durante todo o tempo. Equipados com bombas, coletes à prova de balas e capacetes, três agentes chegaram a entrar na carceragem. Mas às 13h30m, o refém, chorando, foi finalmente liberado.

ENTREVISTA

Luiz Eduardo Soares - subsecretário de Segurança Pública

'A resposta para isso é o fim do xadrez'

Como acabar com esses motins? A 16 DP está no programa Delegacia Legal, que prevê a eliminação das carceragens em distritos policiais?

Ela já está no nosso programa e a resposta para isso é o fim do xadrez nas delegacias. Não tem jeito. A gente agora vai solucionar esse problema, depois outro foco aparece ali porque as condições são precárias. Isso, inclusive, é inconstitucional e só se resolve de forma definitiva acabando com essas carceragens. Para isso, estamos construindo simultaneamente as delegacias legais e casas de custódia para fazer o deslocamento de presos.

A primeira casa de custódia fica pronta quando?

A primeira, no presídio Esmeraldino Bandeira, em Bangu, está quase pronta, devendo ser entregue em uns 15 dias, com capacidade para 600 homens.

O cronograma do Delegacia Legal, de reformular todas as unidades do Grande Rio até o ano que vem, está mantido?

Sim. O processo licitatório das próximas 18 unidades deve durar um mês. Haverá 60 dias para as obras, que devem estar prontas em três meses.

Violência e comida azeda

"Delegacia não é lugar para manter presos". Esta foi a frase mais repetida pelos delegados que participaram da negociação com os presos. Na carceragem onde caberiam 50 pessoas, 97 homens se amontoavam, quatro deles condenados. Fato que, na opinião do delegado titular da 16 DP, Napoleão Salgado, causa situações de estresse como a de ontem.

- Todos querem fugir - disse Napoleão, apoiado pelo delegado da Metropol II (Leblon), Rogério Marchesine, nas negociações.

Além da transferência de presos, que foi atendida, os presos reclamaram de comida azeda, agressões por parte dos policiais e falta de atendimento médico. Problemas negados pelo delegado.

- Cuidamos destas questões e sabemos que elas são a chama para explodir esse barril de pólvora - defendeu-se.

Carcereiro tem horas de terror

Às lágrimas, muito nervoso e traumatizado, o detetive Fábio Guimarães Silva, de 33 anos, saiu da carceragem depois de quatro horas nas mãos de quase cem homens. Há nove anos na polícia, três deles na Barra, Fábio estava acostumado a dar plantões como carcereiro e nunca tinha sofrido este tipo de violência.

Ao contrário, Fábio é respeitado pelos presos, o que pode ter salvo sua vida. Apesar de ficar abatido e ter a camisa rasgada, ele não foi agredido em nenhum momento. O detetive contou a colegas que um grupo de presos pensou em amarrá-lo, mas os mais antigos não deixaram. Uma demonstração, inclusive, da falta de liderança entre os rebelados.

O fato do detetive ter cumprido as normas de segurança também evitou uma tragédia. Ele tirou a arma e o celular antes de entrar na carceragem, rotina nem sempre seguida entre os carcereiros.

Parentes de famosos na cela

Horas antes do retorno do atacante Edmundo ao Vasco, o irmão do Animal, Luiz Carlos Alves de Souza, de 24 anos, voltou a ser notícia durante a rebelião na 16 DP. Luiz Carlos foi parar atrás das grades depois de roubar a casa do próprio Edmundo, na Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, na madrugada de 23 de outubro do ano passado, quando levava um aparelho de som e uma caixa de isopor. Ele acabou sendo autuado por roubo a mão armada (artigo 157).

Já Wanderley Alves dos Reis Júnior, de 22, filho do cantor Wando, também está preso na 16 DP. Ele foi detido na madrugada de 15 de abril deste ano por tentativa de homicídio (artigo 121) ao atirar contra os seguranças Luís Cláudio da Silva e Marcos Fontes. Motivo da prisão: uma briga por causa de um pão de queijo em uma loja na Avenida das Américas.

Os dois se ofereceram - e foram usados - para serem reféns no lugar do detetive Fábio Silva.

Rebeliões são comuns em todo o estado

Motins provocados por superlotação como o da 16 DP são comuns em todo o Rio de Janeiro e, enquanto o programa Delegacia Legal (que prevê o fim das carceragens nos distritos policiais) não estiver concluído, continuarão acontecendo, como frisa o subsecretário de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares.

- A gente soluciona esse problema agora e depois outro foco aparece ali porque as condições são precárias - diz.

A última rebelião aconteceu no último dia 12, quando os 240 detentos da 134 DP, no Centro de Campos, incendiaram colchões e destruíram parte das grades das celas do xadrez. O lugar só comportava 60 homens.

Na noite de 18 de dezembro do ano passado, um motim de 130 detentos na 20 DP (Vila Isabel) resultou na morte do carcereiro Edson de Moura, assassinado com um tiro na cabeça.

No noite de 25 de janeiro deste ano, a 35 DP (Campo Grande) enfrentou uma situação semelhante à da 16 DP, quando os detentos tomaram como refém o carcereiro Wagner Gonçalves Faria. Na madrugada anterior, 31 homens fugiram da 71 DP (Itaboraí). Havia 80 presos, 64 acima da capacidade máxima.

Com Cristiane de Cássia

domingo, maio 23, 1999

Blecaute na favela é tática de bandido

Os traficantes desligam as luzes do morro e deixam os policiais completamente perdidos na escuridão, sem meios para se defender

RIO (Extra) - A Polícia Militar está literalmente às escuras diante de uma tática de guerrilha adotada por traficantes de drogas, em favelas e morros de todo o estado. Com um simples apertar de botão em disjuntores elétricos clandestinos, os bandidos desligam a luz e deixam os policiais mergulhados em um ambiente de total escuridão, durante operações noturnas. Muitas vezes, esperam até que os PMs cheguem a locais onde são alvos fáceis para atiradores, estrategicamente posicionados em cima de casas e barracos.

Guardadas as devidas proporções, a manobra dos traficantes é parecida com a usada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no último dia 2, durante os bombardeios à Iugoslávia, quando bombas de grafite provocaram curto-circuito nos geradores de cinco centrais elétricas, sem destruí-los, mas deixando 70% do país sem luz.

Essa tática foi executada em favelas pela primeira vez no início dos anos 80, quando as lâmpadas dos postes eram destruídas a tiros. A adoção de chaves elétricas foi descoberta pela PM em 1993, mas foi no ano passado que a prática se espalhou pelas favelas. Nos morros, os traficantes mantém o "interruptor" desligado por 20 minutos, duração média de um confronto e tempo suficiente para que as quadrilhas encurralem os PMs ou fujam.

Além disso, essa manobra tem efeito psicológico: baixam o moral dos policiais, presas quase indefesas por desconhecerem a posição do inimigo. A PM não oferece treinamento para esse tipo de combate, fazendo com que a tropa apele para orientações básicas usadas em qualquer missão.

- Você reza e aperta o gatilho. Se não conhece o lugar, pode morrer. O pior é que não temos meios de identificar os atiradores, que se vestem de preto, dificultando a visualização - conta o sargento Adilson Gomes, do Posto de Policiamento Comunitário da Favela do Jacarezinho.

O comandante do 6 BPM (Tijuca), tenente-coronel Ipurinan Calixto Nery, concorda:

- Como identificar o atirador com tudo escuro? Os policiais têm que se abrigar.

PMs viraram alvos fáceis

Sem treinamento para combater na escuridão, os PMs têm de recorrer à fé e à munição de que dispõem - e esperar pela chegada des reforços. Enquanto isso, disparos de AK-47, AR-15, G3 e Sig Sauer partem das lajes dos barracos, tendo como alvo os policiais. Diante de tamanho desgaste emocional, resta a lembrança da família como apoio psicológico. O sargento Adilson Gomes, por exemplo, já se viu nessa situação três vezes.

- Em segundos, a nossa vida passa pela cabeça. A família é o ponto de apoio. Eles esperam a gente chegar a um lugar vulnerável. Já passei por isso três vezes. O mais cascudo foi quando enfrentamos o Rogerinho (José Rogério Soares, morto em maio de 1997), há dois anos, no Jacarezinho, quando ficamos encurralados de madrugada. Estávamos no Campo do Abóbora. Só saímos com o apoio de outras equipes - lembra o PM, que também já recorreu ao expediente dos traficantes.

- Às vezes, nós apagamos a luz para eles não saberem onde estamos. Os piores lugares são a Praça da Concórdia, a Praça 15, a Fazendinha e a Beira do Rio. Eles esperam a gente atirar para ver onde estamos, concentram os atiradores e até gritam: "Vai morrer! Vai morrer".

O sargento Antônio Carlos da Conceição e o cabo Adão Debona, ambos do 9 BPM, conhecem bem essa experiência dramática.

- Você quer saber quantas vezes já fiquei encurralado na escuridão? Um monte. Principalmente em Vigário Geral, quando o tráfico era forte por lá - diz Conceição.

- Isso já aconteceu comigo aqui mesmo na Favela Furquim Mendes (Jardim América), onde o movimento (tráfico) é até meio fraco, no ano passado. Eles são terríveis - emenda Debona.

Bandos têm até franco-atiradores

A estratégia dos traficantes inclui outro elemento que se integra perfeitamente às trevas que deixam os policiais desorientados: franco-atiradores , chamados de caçadores pelo major José Luís Nepomuceno, do 9 BPM (Rocha Miranda). O oficial já esteve encurralado várias vezes em emboscadas como essas, cego na escuridão e sem saber de onde vinham os tiros, quando comandava o Serviço Reservado do 16 BPM.

Segundo o major, esses atiradores são os mais bem preparados da quadrilha, com disposição física e conhecimento de terreno impecáveis, vestindo sempre roupas escuras, camuflando-se no breu e armados de fuzis. Ao receber um comando desses homens, até moradores do lugar acionam o disjuntor, apagando a luz.

- Uma vez identificado o ponto onde estamos, o atirador entra em ação. Ele é um caçador e nós viramos a caça.

segunda-feira, maio 03, 1999

Morte ligada à rota do pó

Polícia suspeita que tenente-coronel possa ter sido assassinado pelo narcotráfico

RIO (Extra) - Amorte do tenente-coronel da Aeronáutica Paulo Roberto de Souza Machado, de 57 anos, diretor da Escola de Pilotagem de Maricá, pode estar ligada à utilização do lugar como ponto de desembarque de drogas no estado. Esta é uma das linhas de investigação seguida pelo delegado Joel Sá Rego, da 82DP (Maricá). O policial analisa a ligação desse assassinato com o do empresário italiano Franco Fellicciotta, de 49, executado por vingança na segunda-feira por três homens no Hotel Park Lane, em Maricá. Para o delegado, Fellicciotta traficava drogas na Itália.

- O consulado italiano me informou que aquele empresário estava ligado ao tráfico de drogas na Itália. Pedi ajuda à Polícia Federal e à Secretaria de Segurança Pública para colher mais informações - afirmou o delegado.

O tenente-coronel, enterrado sábado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, estava na reserva e foi assassinado com dois tiros na Estrada de Ubatiba, entre Maricá e Itaboraí, após sacar dinheiro no Banco do Brasil. A viúva do aviador, porém, não acredita na hipótese de narcotráfico. Para Nancy Machado, o marido foi vítima de um assalto:

- Ele era muito querido na cidade e foi retirar o dinheiro dos empregados da escola.

Entretanto, a tese de o crime estar relacionado ao tráfico de drogas ganha força junto à Delegacia de Repressão a Entorpecentes. De acordo com o chefe de operações da divisão, Carlos Torres, as quadrilhas de traficantes utilizam pequenas pistas de pouso e decolagem do interior, valendo-se da falta de controle nesses lugares.

- Eles usam pequenos aviões, voando baixinho. Com a ausência de radares nesses aeroportos da Região dos Lagos, fica impossível detectá-los. De lá, a droga segue para o Rio de barco, carro ou de ônibus - conta.

O vice-diretor do Departamento de Aviação Civil (DAC), major-brigadeiro Mayron dos Santos Pereira, admite que o Ministério da Aeronáutica não tem condições de vigiar os 1.200 pequenos aeroportos de todo o país, que englobam aeroclubes e escolas como a de Maricá.

Aeroclube tem entrada livre

O aeroporto de Maricá não tem fiscalização nem controle - tanto por parte da prefeitura quanto do DAC - nos finais de semana, o que o torna estratégico para ser usado pelo tráfico. Pelo menos foi isso que a equipe do EXTRA constatou quando esteve na Escola de Pilotagem de Maricá.

As facilidades são oferecidas aos criminosos logo na entrada do lugar. Situado às margens da Lagoa de Araçatiba, qualquer um pode entrar e sair dali por água ou terra, visto que não há seguranças ou cercas. O portão de acesso nem tranca tem.

O lugar tem três hangares e uma pista de mil metros de extensão, suficiente para receber um jatinho Cessna Citation.

Funcionários da escola, que preferem não se identificar, disseram que não há representantes do DAC ou da prefeitura para registrar a chegada e partida de aeronaves aos sábados e domingos.

'Pista do pó' foi utilizada pela primeira vez em 1981

A 60 quilômetros do Rio e com uma população de quase 55 mil habitantes (menos de 1% do total dos que vivem na capital), Maricá foi descoberta como pouso seguro para os traficantes pelo cirurgião plástico Hosmany Ramos.

Em setembro de 1981, Ramos foi preso na cidade por utilizar um avião roubado para transportar drogas e por ser suspeito da morte do piloto, Carlos Alberto Lobo. O traficante, no entanto, foi beneficiado por um mandado de habeas corpus, sendo liberado em seguida.

Três meses depois, ele foi detido em São Paulo. A prisão durou pouco tempo e ele fugiu para a Bolívia, um dos maiores países produtores de cocaína em todo o mundo. Em 1996, Hosmany foi preso em Campinas.

Aeronáutica de asas atadas

O tráfico de drogas por via aérea parece não ter solução nem em Maricá nem no resto do Brasil. A constatação é do major-brigadeiro Mayron Pereira, vice-diretor do DAC. Existem cerca de 1.900 aeroportos no país. Destes, 1.200 são como a pista de Maricá - o Ministério da Aeronáutica não possui recursos para fiscalizá-los.

Segundo o oficial, os três radares do Rio de Janeiro (na Base Aérea do Galeão, em Petrópolis e em Santa Cruz) não inibem os "vôos do pó".

- O ministério não tem meios para garantir a fiscalização permanente desses aeródromos. Só controlamos os vôos em rota comercial, nos quais identificamos os prefixos dos aviões. Não temos como vigiar os vôos baixos - diz.

Mesmo nos grandes aeroportos, a Aeronáutica não combate o tráfico de drogas:

- Não interferimos. É competência da Polícia Federal.