Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

quinta-feira, agosto 27, 1998

Um beijo antes de morrer

Mulher briga com o marido em casa, leva facada e cai nos braços do filho

RIO (Extra) - "Eu te amo". Com estas palavras, Maria Cristina Vieira Valgas, de 44 anos, se despediu tragicamente do filho mais velho, Vinícius, de 22. Maria Cristina morreu ontem de madrugada devido a uma facada sofrida nas costas durante uma briga com o marido, o corretor de imóveis Carlos Alberto Valgas, de 48. Ela ainda conseguiu ir ao quarto do filho para lhe dar um último beijo e morrer em seus braços.

O crime aconteceu por volta de 3h40m, na cobertura onde a família mora, na Rua Vinícius de Moraes, em Ipanema. Segundo o depoimento que Vinícius prestou ao delegado Ivo Raposo Júnior, da 13ª DP (Ipanema), Maria Cristina e Carlos Alberto foram jogar bingo no Scala e chegaram em casa discutindo, às 3h.

O rapaz contou que as brigas eram constantes.

No início do ano, ele brigou com o pai e registrou a agressão na delegacia. Vinícius tentou evitar o pior: primeiro, pediu que a mãe dormisse com ele, e, depois, se ofereceu para dormir no quarto dos pais. Entretanto, Maria Cristina preferiu acalmar o marido. Logo depois, Vinícius ouviu os gritos desesperados da mãe.

A partir daí, surgem duas versões. O delegado acredita em premeditação do crime, pois Carlos Alberto desconfiava de uma traição e já estava com a faca no quarto. Já o assassino diz que a mulher se recusou a manter relações sexuais com ele.

- Ele chegou em casa bêbado e devia estar querendo fazer isso. O mais lamentável é o filho com a mãe nos braços apunhalada - disse Raposo.

Dentro de dez dias, Ivo Raposo deverá convocar Rodrigo e a madrinha de Vinícius, identificada como Licianara, para depor. Licianara estava com o casal no Scala Bingo.

Isso tinha que acontecer comigo, não com ela. Agora, acabei com a minha família toda. Acabei com tudo

Carlos Alberto Valgas diz que a mulher, Maria Cristina, morreu ao cair em cima da faca que carregava nas mãos

Levantei a roupa dela porque queria transar. Como ela não queria, empurrei-a na cama. Estava escuro, eu a segurei e virei. Foi aí que ouvi um berro. O meu filho entrou, acendeu a luz e eu vi o sangue e a faca de cabo branco. Não sei como ela foi parar lá. Quando vi, estava tudo cheio de sangue.

Agora, estou aqui. Quem matou fui eu. Ela era a pessoa que eu mais amava. Ela falou que não queria transar. Eu não sabia que ela estava com uma faca na mão. Não sou de matar ninguém. Na minha família, não tem assassino.

Perdi alguém que amo. Isso tinha que acontecer comigo, não com ela. Não sou assassino. Éramos casados há 26 anos. Me diz uma coisa. Como você acha que me sinto? Qual é o casal que não discute?

Também discuto com meus filhos. Naquela hora, o Rodrigo estava dormindo. Há alguns meses, dei uns tapas no Vinícius e ele disse que ia chamar a polícia. Então, falei para ele chamar. Nem me lembro do motivo. Acho que ele queria sair eu não deixei.

Agora, só sei que acabei com a minha família toda. Acabei com tudo. Olhe como estou. Não sou um assassino. Não matei ninguém. Não desejo isso para ninguém. Foi um acidente. Ela caiu em cima da faca. Não enfiei a faca nela. Não sabia que a faca estava com ela. Eu só a empurrei. Preferia a morte para mim.


Discrição em público

Um casal tranqüilo que nunca foi visto discutindo em público. É assim que Maria Cristina e Carlos Alberto Valgas são descritos pelos vizinhos e colegas de trabalho. Há três meses, a família Valgas se mudou de um apartamento na Avenida Borges de Medeiros, na Lagoa, para uma cobertura de dois quartos na Rua Vinícius de Moraes, em Ipanema.

Vizinha de cobertura, foi Isabela Souza Lima que chamou a polícia. Segundo ela, os Valgas eram bastante calmos e discretos. Nem mesmo na madrugada de ontem houve indícios de briga ou confusão.

- Acordei com o barulho da campainha, entre 4h e 4h15m. Eram os dois irmãos (Vinícius e Rodrigo) pedindo para chamar a polícia. Eles eram bem tranqüilos - contou Isabela.

Na galeria Ipanema 2000, na Rua Visconde de Pirajá, a notícia da morte de Maria Cristina chocou aqueles que conviviam com o casal na corretora Brito e Cordeiro Administradora de Imóveis Ltda.

- Conhecia os dois há seis anos. Ele era afável e ela, bem expansiva. Nunca iria imaginar uma coisa dessas. Ontem mesmo subi com a Maria Cristina no elevador - disse um colega que não quis se identificar.

Revolta e tensão marcam enterro

Os dois filhos e vários parentes de Maria Cristina Vieira Valgas, de 44 anos, estavam consternados durante o enterro, ontem à tarde, no cemitério São João Batista, em Botafogo. Ninguém quis falar sobre o crime e ainda impediram o acesso de repórteres ao local. Familiares resolveram antecipar o cortejo e o sepultamento, marcado anteriormente para 17h. Aproximadamente 50 pessoas compareceram ao cemitério e todas elas mostravam revolta com o assassinato. Apesar de atestarem que o casal brigava demais, alguns familiares se disseram surpresos com o desfecho trágico.

A versão do criminoso e marido da vítima, Carlos Alberto Vieira Valgas, também revoltou quem foi ao enterro. Ninguém acredita na versão que ele deu ao crime: de que a mulher caíra em cima da faca, que estava em cima da cama.

Circunstâncias apontam para a condenação

Para o delegado Ivo Raposo Júnior, titular da 13ª DP (Ipanema), dificilmente Carlos Alberto Valgas deixará de ser condenado pelo assassinato de Maria Cristina. Segundo ele, a pena varia de 12 a 30 anos de prisão. O caso de Carlos Alberto, no entanto, tem um agravante: no início do ano, ele foi denunciado por agressão física pelo filho Vinícius.

- Este antecedente poderá ilustrar o temperamento dele durante o julgamento no Tribunal do Juri - explicou o delegado.

Ivo Raposo aponta outros três pontos que, em sua opinião, descartam qualquer possibilidade de defesa do acusado. O principal deles se refere à arma do crime. A faca usada para matar Maria Cristina já estava no quarto do casal. De acordo com o policial, este é um forte indício de que o crime foi premeditado:

- Os dois viviam discutindo, havia a suspeita de traição e a faca estava com ele. Quero ver ele arranjar um advogado que justifique isso. Para mim, é injustificável.

Quanto à alegação de que Maria Cristina teria caído sobre a faca durante uma tentativa de estupro, Ivo Raposo disse que a versão contada por Carlos Alberto na delegacia perde sua força diante das circunstâncias do homicídio:

- A Maria Cristina lutou para se defender. Havia restos de pele sob suas unhas. Na barriga dele, há três marcas de unha.

Fracassos na raia

Valgas foi um jóquei medíocre

Um jóquei que nunca se destacou em 20 anos de carreira. Carlos Alberto Valgas jamais venceu qualquer páreo expressivo e nem montou um cavalo de primeiro time. Valgas sempre esteve no pelotão intermediário, sem ter um único registro de destaque no turfe carioca. Vez ou outra sentiu o prazer de subir no degrau mais alto do pódio.

Ironicamente, o corretor destruiu a conquista mais importante que obteve nas raias do Jockey Club Brasileiro e da Vila Hípica. Foi lá que ele conheceu sua futura mulher, Maria Cristina Vieira, filha de seu treinador, Altamir Vieira.

Desiludido com as poucas oportunidades que lhe eram oferecidas, Carlos Alberto abandonou a carreira aos poucos. Depois de se descuidar da forma física, começou a engordar. Finalmente, na metade dos anos 80, ele abandonou as rédeas.

Desde então, Carlos Alberto e Maria Cristina trabalhavam como corretores na Brito e Cordeiro Administradora de Imóveis Ltda., em Ipanema. Mas o gosto pelo jogo não ficou perdido nas cocheiras do Jockey Club. O casal freqüentava regularmente o bingo do Scala, no Leblon.

Segundo a gerência da casa, os dois nunca foram vistos brigando durante o bingo. Pelo menos, até a madrugada de ontem.

sábado, agosto 15, 1998

O ’apagão’ está de volta

Depois dos blecautes do verão, a falta de luz retorna e deixa 8 milhões às escuras

RIO (Extra) - O compromisso no Centro do Rio era muito importante e a pontualidade também. Afinal, se tratava de um possível emprego. E Marlene Américo Dias, de 35 anos, secretária executiva, desempregada, moradora de Laranjeiras, escolheu o transporte mais rápido: o metrô. Entrou no vagão às 10h20m.

Furiosa, Marlene caminhou por entre os trilhos de volta à estação de onde partira dois minutos atrás, a do Largo do Machado. Não perdoaria o Metrô pelo incidente e pelo atraso: a composição parou em plena galeria, as luzes piscaram, apagaram, as de emergência acenderam-se e ela e os outros passageiros tiveram que voltar à estação a pé, por entre trilhos e paredes, num túnel escuro. Ela subiu as escadas da estação correndo para tentar recuperar o tempo perdido. As escadas rolantes estavam paradas. O caos.

Marlene voltou à superfície e encontrou um mundo bem diferente daquele que deixara para trás há poucos minutos: os sinais apagados, guardas apitando, carros buzinando, ônibus acelerando forte e soltando fumaça, estridentes sirenes de carros de bombeiros em alguma parte e pessoas muitos nervosas. Era um apagão. O Metrô estava desculpado.

Curto-circuito em subestação

Durante praticamente uma hora, grande parte da Região Metropolitana do Rio, da Baixada, de alguns municípios de Angra dos Reis, Petrópolis e de algumas cidades do Sul de Minas - Varginha, Caxambu, Três Corações, Lavras e Alfenas - sofreram com o blecaute. No Centro e em 90% da Zona Sul do Rio, ele durou cerca de 20 minutos e tumultuou a vida de oito milhões de cariocas.

O diretor de operações das Furnais Centrais Elétrica, Celso Ferreira, explicou que houve um curto-circuito na subestação de Grajaú que teve que ser desligada, interrompendo o fornecimento de energia. Isso provocou um reação em cadeia, afetando outras subestações de Furnas.

Os aeroportos Internacional e Santos Dumont, entretanto, não interromperam suas atividades. O que aconteceu também com os Hospitais Souza Aguiar e Miguel Couto, que dispõem de geradores.

Cinco das 14 elevatórias da Companhia estadual de Águas e Esgoto (Cedae) também pararam por causa da falta de energia elétrica em todo o estado do Rio.

Mais de 800 sinais fora do ar

No caos em que mergulhou a cidade, mais de 800 sinais de trânsito dos 906 do Controle de Tráfego por Área deixaram de funcionar. Apenas parte da sinalização do Méier e de São Cristóvão não foi atingida. A Zona Sul, o Centro e a Tijuca foram os bairros mais prejudicados. Em Copacabana, os engarrafamentos infernizaram a vida do carioca.

Para o gerente do CTA, José Carlos Tigre, o blecaute só não causou maiores transtornos porque aconteceu fora dos horários de rush. Caso contrário, seria o caos. Dos mais de 2,7 milhões de veículos que circulam no estado, 1,52 milhão está no Rio.

A falta de luz prejudicou o trabalho no CTA.

- Ficamos sem as imagens dos cruzamentos da cidade e só soubemos dos engarrafamentos em Copacabana mais tarde. Houve vários nós e a situação ficou bastante confusa - admitiu Tigre.

Trens e metrô ficam parados

Quem viajava de trem na hora do blecaute teve que seguir o resto do percurso pelos trilhos, a pé. Todos os trens que operam nos cinco ramais da Flumitrens (Deodoro, Japeri, Leopoldina, Santa Cruz e Belford Roxo) ficaram parados das 10h30m às 11h. Diariamente, cerca de 350 mil pessoas passam pelas 95 estações do estado.

O Metrô Rio também foi atingido pelo blecaute. Todas as 25 estações ficaram paralisadas das 10h24m às 10h43m. A Linha 2 só voltou a operar duas horas depois. Segundo a Opportrans, consórcio que administra o Metrô, todos os passageiros receberam o bilhete de volta. Nas estações de Botafogo e Largo do Machado, as pessoas tiveram que descer das composições e seguir até as plataformas a pé.

Prejuízos também na Baixada

Comerciantes e moradores da Baixada ficaram irritados com o "apagão" de ontem. Em sua maioria, afirmam que não tiveram prejuízos materiais, mas garantiram que os piques de luz são constantes em determinadas áreas.

O comerciante José Carlos Fontoura, de 36 anos, que tem um bar em Nova Iguaçu, reclama que, em 30 minutos, perdeu dinheiro com a venda de refrigerantes e cervejas, já que a geladeira não pôde funcionar. Já o dentista Adolfo Frazão, de Caxias, teve que dispensar pacientes.

ONDE RECLAMAR

Alerj - A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro fica na Rua Dom Manuel s/n, no Centro.

Codecon Niterói- A Câmara de Vereadores de Niterói também tem uma Comissão de Defesa do Consumidor, que atende pelo telefone 714-4343.

Procon - Os telefones são 232-6222, 232-6269 e 252-0837

Agência Nacional de Energia Elétrica - Os telefones são (061) 312-5801 e (061) 312-3479.

Com Josiane Duarte e Nélson Brandão

quinta-feira, agosto 13, 1998

O inocente volta às ruas

Acusado de estupro e tachado de monstro, Gilberto passou 5 dias na cadeia

NATIVIDADE (Extra) - O biscateiro Gilberto Emilce dos Santos, de 22 anos, recuperou a liberdade ontem à noite. Gilberto passou cinco dias preso na delegacia de Natividade como suspeito de ter assassinado a menina Índila Freitas da Silva, de 8 anos, estuprada e morta, quinta-feira passada, em Itaperuna. O pesadelo dele começou na tarde de sábado, na delegacia de Itaperuna, e terminou na terça-feira, com a prisão do verdadeiro culpado, Adriano da Silva.

O rapaz só respirou aliviado depois que teve sua inocência confirmada ao apertar a mão do pai de Índila, o caminhoneiro Ademário Batista da Silva, durante o reconhecimento de Adriano, no 29 BPM.

Sorridente, de monstro definitivamente Gilberto não tem nada. Jeitão simples, típico de quem é da roça, ele agora só quer esquecer o drama de pagar por algo que não fez. Boa praça, cumprimentou todos os policiais e detentos da 140 DP. Nem parecia o mesmo sujeito que quase foi linchado por cerca de 300 pessoas, em Itaperuna. A tragédia só foi evitada porque o delegado da cidade, Murilo Montanha, o transferiu para a carceragem de Natividade.

- O pai da menina me pediu desculpas ontem (anteontem). Disse que estava nervoso quando afirmou que fui eu que matei sua filha - contou.

Apesar do medo que sentiu quando chegou ao xadrez, ele diz que não pretende processar o estado por ter sido acusado e apresentado à população como o assassino de Índila. O temor, no entanto, desapareceu dentro da própria cela. Dos 28 presos da delegacia de Natividade, 21 são evangélicos. A maioria está presa por furto e homicídio:

- A polícia fez o seu trabalho e eu faria a mesma coisa também. Imaginava que encontraria o pior na cadeia. No início, alguns ficaram nervosos por causa dessa história, mas, depois, viram que não fui eu e me deram apoio. Eles até me emprestaram roupas, sabonete e cobertor. Agora tenho uma nova família em Natividade.

Gilberto não pretende voltar tão cedo para casa, na Fazenda Jaboticaba. Magoado com a acusação, ele irá para a casa de um tio, em Bom Jesus de Itabapoana.

Pais temiam linchamento

Feliz com a liberdade de Gilberto, o casal de lavradores Teresinha e José dos Santos Carvalho contou a angústia de ver o filho atrás das grades. Com lágrimas nos olhos, dona Teresinha disse que deixou de comer com medo de ser atacada pelo mesmo grupo que tentou linchar o rapaz:

- Fiquei muito triste. Chorei muito porque ele não fez nada. Tínhamos medo de alguém vir aqui e bater na gente. Deixei até de me alimentar. Ele é um menino muito bom. Sempre o ensinei a não arranjar confusão na rua. Agora estou muito alegre porque ele saiu da cadeia.

Acompanhando o drama de Gilberto desde o início, seu José lembra cada detalhe do que aconteceu nestes cinco dias. Desde o momento em que soube da acusação pelo assassinato de Índila até a apresentação do verdadeiro criminoso, no 29 BPM. Sem saber o que fazer, ele até aconselhou o filho a não ir à delegacia:

- Falei para ele não ir por que não tinha nada a ver com isso. Mas ele é decidido e queria acabar logo com isso.

O nome de Gilberto chegou à polícia na noite de sexta-feira, quando uma equipe da delegacia de Itaperuna foi à sua casa, na Fazenda Jaboticaba.

- A gente não sabia que o Gilberto estava na casa de uma amiga, que é enrabichada com ele. Pensamos que ele tinha ido à delegacia, mas não estava lá. Só o encontramos no sábado, por volta de uma da tarde. Nesse tempo, o procurei junto com os policiais, que chegaram a me levar para a casa dos pais da menina para que me reconhecessem - contou.

A angústia dos pais de Gilberto começou no momento da prisão. Segundo o lavrador, o rapaz foi ameaçado fisicamente:

- A polícia até o ameaçou. Isso machuca a gente. Esse foi o maior sofrimento que já enfrentamos. É duro ver o seu filho levado para a cadeia com todas aquelas pessoas fazendo injúrias. Não foi fácil.

O alívio definitivo veio terça-feira, no Batalhão de Itaperuna, onde o pai de Índila, Ademário Batista Silva, reconheceu o assassino da filha.