Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, janeiro 31, 1999

A Polícia chama o síndico

Delegacias terão um administrador para cuidar dos problemas burocráticos

RIO (Extra) - Um novo personagem vai se juntar a todas as 121 delegacias do estado até o dia 29 de março de 2001. Segundo o projeto Delegacia Legal, idealizado pelo subsecretário estadual de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, tarefas burocráticas como cuidados com conservação, almoxarifado e limpeza passarão a ser de responsabilidade de um administrador, o síndico da delegacia.

Caberá a esse novo personagem lidar com toda a papelada que não tenha a ver com os registros de ocorrência, dinamizando o trabalho policial. A estréia do primeiro síndico será no próximo dia 29 de março, data prevista para a inauguração da nova 5ª DP (Rua do Lavradio), que está sendo reconstruída na Avenida Gomes Freire, no Centro.

Mas quem será esse síndico que vai botar ordem na casa? De acordo com Luiz Eduardo Soares, o administrador, que será remunerado, terá total autonomia, respondendo diretamente ao secretário de Segurança, general José Siqueira. Os escolhidos virão do banco de dados do Centro de Produção da Uerj (Cepuerj).

- Ele não precisa ser policial e é melhor que não seja, para não confundir suas tarefas. O síndico não terá porte de arma e deverá ter, pelo menos, o Segundo Grau completo e conhecimento de áreas como gerenciamento, contabilidade e almoxarifado. Ele será o responsável pelo funcionamento físico da delegacia - explica o subsecretário.

A medida já é comemorada pelos titulares de algumas das delegacias mais problemáticas do Rio de Janeiro, antes mesmo de sua implementação. Afinal, livres desses afazeres burocráticos que adiam e atrapalham as investigações, os delegados ganham tempo para desempenhar melhor a sua função, além de liberar homens para o serviço policial propriamente dito.

- As novas delegacias terão três áreas de trabalho: atendimento, administração e policial. Hoje, esses trabalhos são desempenhados por policiais, que não têm treinamento nem tempo para isso. Queremos que eles se dediquem integralmente às suas tarefas de policial propriamente ditas - explica o subsecretário.

E se houver divergência entre o delegado e o síndico?

- Terá que haver respeito mútuo. Vai ser como num edifício, em que cada um será dono do seu apartamento - compara ele, antecipando que os conflitos serão resolvidos pelo secretário de Segurança.

Seleção será feita pela Uerj

Com base nas características apontadas pelo subsecretário de Segurança Pública, o Cepuerj vai selecionar os candidatos a síndico em seus bancos de cadastro de emprego. Haverá um treinamento a ser realizado na Uerj, sob supervisão da Polícia Civil. Nele, os novos administradores aprenderão noções de legislação criminal e de toda a estrutura da Secretaria de Segurança.

Entre os requisitos básicos para contratação, os aspectos psicológicos poderão pesar mais do que o currículo.

- É preciso que seja alguém equilibrado e disciplinado, com dedicação aos detalhes. O perfil pessoal é mais importante do que o profissional nesses aspectos - explica o subsecretário.

Pelo convênio estabelecido com a Uerj, o pagamento dos síndicos estará a cargo da universidade, apesar de o administrador ficar ligado à Secretaria de Segurança. A quantia, porém, ainda não foi definida. Mas a carga horária já está acertada: oito horas diárias (40 horas semanais), sem necessidade de plantão, mas com disponibilidade de resolver imprevistos que possam ocorrer.

Delegados festejam a idéia

O delegado Sérgio Valença, da 9ª DP (Catete), comemorou a contratação de um profissional para tratar das questões burocráticas. A delegacia, cujo prédio está em péssimo estado de conservação, tem seis mil casos à espera de solução.

- A idéia é muito boa, coisa de primeiro mundo. Isso resolve metade dos nossos problemas - calcula.

Outro que festejou foi o delegado da 54ª DP (Belford Roxo), José de Resende, responsável pela delegacia da área mais violenta do estado.

- A toda hora interrompo o meu trabalho para cuidar de problemas que nada têm a ver com a minha atividade principal, que é investigar - reclama.

O delegado Henrique Sampaio, da 35ª DP (Campo Grande), é ainda mais enfático:

- Isso já deveria ter sido implantado há 200 anos.

domingo, janeiro 24, 1999

Trotes que custam vidas

Falsas ligações prejudicam as equipes de socorro das estradas privatizadas

RIO (Extra) - Uma brincadeira de mau gosto ameaça diariamente as vidas de milhares de pessoas na Rodovia Presidente Dutra (Rio-São Paulo). Um terço das 16,2 mil chamadas de socorro provenientes dos 804 callboxes (aparelhos semelhantes a um interfone) espalhados pela estrada é trote. Esta média é mensal e vem sendo registrada desde que o serviço foi inaugurado, em dezembro de 1997.

Desde então, a Nova Dutra, concessionária que administra a rodovia, aciona desnecessariamente suas 11 equipes de emergência para 5,4 mil pedidos falsos por mês, 33% dos quais na Baixada Fluminense.

A dimensão deste perigo pode ser aferida pelo fluxo de até 150 mil veículos que cruzam os 402 quilômetros da Via Dutra todos os dias. Como cada carro de passeio pode transportar até quatro pessoas, o número de vidas em risco pode chegar a 600 mil.

Segundo levantamento da Nova Dutra, a maioria dos casos acontece nos centros urbanos. Ou seja, na Grande São Paulo e na Baixada, que registra, em média, 1.782 trotes entre as 3.402 chamadas mensais. A porção de irresponsabilidade dos paulistas é de 1.998 pedidos falsos de socorro (37%).

Mais grave ainda é a constatação do gerente de operações da Nova Dutra, Guilherme Faissal: a maior parte dos trotes é transmitida por callboxes em trechos com alto índice de acidentes, o que aumenta a probabilidade de uma equipe de resgate atender uma ocorrência falsa em vez de socorrer uma vítima em outro ponto da estrada.

Guilherme Faissal conta que 30% dos 802 acidentes registrados por mês na Via Dutra são atendidos pelos callboxes. Acidentes como o do início do ano, quando 28 pessoas ficaram feridas, cinco delas em estado grave, numa colisão entre um ônibus e uma carreta em Resende. O resgate foi feito pelos bombeiros e pelos médicos da Nova Dutra. O socorro foi rápido. Entre janeiro e outubro do ano passado, morreram 263 pessoas, ficando feridas outras 3.743.

Alarmes falsos só criam problemas

A Rodovia Presidente Dutra é uma das principais artérias viárias do continente, ligando as duas principais metrópolis do país (Rio e São Paulo), onde está concentrada boa parte dos veículos do Brasil.

- Pior do que brincar com uma coisa muito séria é o fato de que eles descrevem um acidente detalhadamente. E por essa razão, não temos como avaliar se aquilo é verdadeiro ou não - lamenta Faissal, que já lançou uma campanha de conscientização, distribuindo 300 mil exemplares do informativo "Novas da Dutra" ao longo de toda a rodovia.

- Daí, deslocamos UTI móvel, carro-resgate, guincho e até a Polícia Rodoviária Federal. Além desse absurdo, pode ser que um usuário tenha sofrido um acidente em outro lugar, e esteja precisando de socorro urgente - diz ele.

Crianças causam transtornos

Situação muito mais grave enfrentou a Concessionária Rio-Teresópolis (CRT). Primeira a utilizar callboxes no país, a CRT teve o mesmo problema da Nova Dutra. O índice de trotes chegava a metade das ligações dos 54 aparelhos instalados em dezembro de 1996 em 55 dos 144,5 quilômetros da rodovia Rio-Teresópolis-Além Paraíba (BR-116).

Seis meses depois, a empresa iniciou uma campanha de conscientização através da mídia e dos 30 mil exemplares do informe ''CRT Boa Viagem''. Hoje, a taxa de pedidos falsos praticamente desapareceu, desabando para 5%. Prova disso é que, sem os trotes, os chamados caíram de 350 para 140 por mês. Destes, 10% referem-se a acidentes. O fluxo mensal de veículos é de 18 mil, com 44 colisões e quatro mortes.

Embora esse número seja muito inferior em relação às ligações recebidas pela Nova Dutra (16,2 mil), os trotes naquele trecho da BR-116 causavam o mesmo transtorno.

- As quatro equipes de resgate sofriam com o deslocamento em vão, com o estresse do clima de um acidente e com o risco de não haver rapidez no socorro a um caso de verdade - enumera o diretor-presidente da CRT, Elísio Lincoln.

Assim como na Via Dutra, os trotes da Rio-Teresópolis também partiam da Baixada, de cidades como Caxias, Magé e Guapimirim. O perfil dos "engraçadinhos", porém, era diferente, composto por crianças e adolescentes. De acordo com Elísio Lincoln, esses callboxes usados para trotes ficavam perto de bares, escolas e pontos de ônibus.

- Entre dezembro e fevereiro, o número de trotes caía por causa das férias escolares - conta, acrescentando que os aparelhos já foram usados mais de 20 mil vezes.

Além disso, os funcionários do consórcio aprenderam a lidar com a questão. Primeiro, descartaram as chamadas feitas por crianças. Depois, passaram a enviar apenas um carro de supervisão ao local marcado no painel do Centro de Controle Operacional de Tráfego (todos os callboxes têm sua posição indicada em um computador). Por fim, perguntavam aos motoristas se haviam visto algum acidente.

Um serviço que funciona

Algumas horas de vigília pela Via Dutra dão uma boa idéia da importância dos callboxes para os usuários da estrada. O vendedor Valmir Nunes não precisou esperar nem dez minutos para receber a ajuda de um caminhão da Nova Dutra, baseado na Pavuna. A Brasília branca de Valmir teve problemas com o platinado, às 10h30m de domingo, próximo ao km 175, em Nova Iguaçu.

- O socorro é mesmo muito rápido. A gente, que é macaco velho de estrada, sabe da importância do reboque gratuito. Essa história de trote é um desaforo - reclamava.

Outro que soltou os bichos contra o mau uso dos aparelhos foi o caminhoneiro goiano Denilson Francisco da Silva. Acostumado com os perigos da estrada, ele já usou os callboxes para pedir ajuda:

- Às vezes, num acidente, a gente precisa de socorro e fica um palhaço fazendo graça. Isso está errado.

Segundo os funcionários da Nova Dutra de plantão na rodovia, o reboque é sempre gratuito até um dos 11 postos 24 horas mais próximo. O usuário entra numa fila de espera pelo guincho e, dependendo da prioridade, é socorrido, em média, entre 20 e 30 minutos.

Comunidade também tem vez

O feitiço, porém, pode virar contra o feiticeiro. Segundo o diretor-presidente da CRT, Elisio Lincoln, já houve casos em que os moradores que vivem às margens da Rio-Teresópolis solicitaram pelos callboxes o socorro médico oferecido pelo consórcio. Carente de serviços de saúde, a região só contava com o Hospital Municipal de Magé, já que o de Saracuruna foi inaugurado somente no fim do ano passado.

- Já tivemos pedidos para serviço médico nas comunidades, como para fazer partos ou atender a um derrame - diz Elisio Lincoln, explicando que a UTI móvel leva seis minutos para chegar ao local do chamado na Baixada Fluminense e 15 na serra.

Chefe da equipe de um médico, dois enfermeiros e três resgatistas especializados em retirar feridos das ferragens, o cirurgião Wellington Morales conta que já fez um parto em plena estrada:

- A gente trabalha em uma área de comunidades carentes. Alguns saem de casa, vão ao callbox e pedem a nossa ajuda. Já tivemos casos de pessoas com crises convulsivas, por exemplo. Eu mesmo fiz um parto, entre os sete ou oito que já aconteceram.

Na Via Dutra, o gerente de operações Guilherme Faissal diz que volta e meia moradores procuram os médicos das 11 bases operacionais da rodovia, sem, no entanto, recorrer aos callboxes.

Outra concessionária que deve passar pelas mesmas dificuldades enfrentadas pela CRT e pela Nova Dutra é a Concer, responsável pelos 180 quilômetros da BR-040 (Rio-Juiz de Fora). A empresa se prepara para iniciar a operação de 360 callboxes. A previsão inicial era a de que o serviço começaria a funcionar no fim do mês, mas dificuldades na instalação dos cabos de fibra ótica na Baixada podem atrasar sua implantação.

CALLBOX (como funciona):

É um interfone. Basta apertar um botão, informar o problema e ouvir a resposta. Cada CALLBOX tem a posição marcada em um painel computadorizado, na central de operações.

VIA DUTRA (Extensão: 402km)

Fluxo: 150 mil veículos/diaTrecho Baixada: 56kmTrecho Grande SP: 100kmCallboxes: 804Custo: R$ 40 milhõesChamados: 16,2 mil/mêsTrotes: 5,4 mil/mês, sendo 33% da Baixada Fluminense e outros 37% da Grande São PauloEquipes de resgate: 11, em quatro bases de operação, com uma ambulância do tipo UTI móvel, um médico, um enfermeiro e dois resgatistas, além de carros-guincho e mecânicos.Tempo de resgate: de dez a 15 minutos

RIO-TERESÓPOLIS (Extensão: 144,5km)

Fluxo: 18 mil veículos/diaCallboxes: 54, em 55 quilômetros de rodoviaCusto: R$ 35 mil, cadaChamados: 140/mêsTrotes: sete/mêsEquipes de resgate: quatro, com uma UTI móvel, um médico, dois enfermeiros e três resgatistas, além de reboques e mecânicosTempo de resgate: de seis a 15 minutos

Colaborou Marcelo Siqueira Campos

quinta-feira, janeiro 14, 1999

Em ritmo de maria-fumaça

SuperVia não investiu o que prometeu, sofre devassa e poderá perder concessão

RIO (Extra) - O secretário estadual de Transportes, Raul de Bonis, admitiu ontem a possibilidade de interditar parte do ramal ferroviário de Belford Roxo, onde quatro pessoas morreram e pelo menos 24 ficaram feridas, após a colisão entre dois trens da SuperVia, anteontem, em Pilares. Mas a intervenção na ferrovia poderá ser mais radical: segundo Bonis, o Governo vai contratar uma auditoria externa para analisar o processo de concessão do sistema ferroviário da Flumitrens à SuperVia. Caso se conclua que a empresa não está cumprindo seus compromissos, o estado poderá cassar a concessão.

A empresa prometeu investir R$ 1 bilhão até o ano 2001. Apesar da promessa, nos dois primeiros meses de administração, a SuperVia - que já está sendo chamada pelos passageiros de SuperFria - só investiu R$ 1 milhão. Se continuar nesse ritmo de maria-fumaça, o volume de investimento prometido só será alcançado no século XXII, mais precisamente, no ano 2166.

Ontem, o secretário esteveno local do acidente para fazer uma avaliação:

- Fiquei muito impressionado com a precariedade operacional. Mas só a partir do relatório da comissão especial saberemos o que será feito.

A comissão, composta por três engenheiros da secretaria e da Agência Reguladora de Serviços Públicos (Asep), tem 15 dias para apresentar um resultado. Os técnicos vão analisar os problemas encontrados no local do acidente e as principais falhas ao longo do ramal, onde já ocorreram dois descarrilamentos, um em novembro e outro na segunda-feira, ambos próximos à estação da Pavuna.

Segundo a Associação dos Maquinistas Ferroviários, pistas sobre a causa do acidente podem estar numa fita, recolhida pela SuperVia, em que são gravadas as comunicações via rádio entre maquinistas e o Centro de Controle Operacional.

Defensoria atenderá vítimas

O governador Anthony Garotinho pediu ao presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Iram Saraiva, assessoria técnica do órgão para analisar o Programa Estadual de Desestatização (PED) implantado durante o Governo Marcello Alencar. Garotinho disse que vai fazer uma investigação rigorosa nas privatizações de empresas públicas.

- O Governo anterior vendeu oito empresas e o estado está quebrado - disse ele.

Por determinação do governador, a Defensoria Pública designou os defensores Cláudio Mascarenhas e Paulo Gallier para dar assistência jurídica às famílias dos quatro mortos na batida de trem, e a todos os passageiros que quiserem entrar com uma ação indenizatória por danos morais e materiais.

Segundo Líbero Atheniense, 2 subdefensor público-geral, as vítimas devem procurar primeiramente a Defensoria Pública Geral do Estado do Rio, no Centro.

- Depois de analisado caso por caso, as pessoas poderão ser encaminhadas aos núcleos da Defensoria em cada bairro. As vítimas do acidente terão prioridade - disse Líbero.

Para quem quiser marcar um horário com os defensores Cláudio Mascarenhas e Paulo Gallier, basta ligar para o telefone 240-3377 ou ir à Defensoria Pública Geral do Estado do Rio, na Rua Marechal Câmara 314, no Centro. O atendimento é feito de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.

Já a Agência Reguladora de Serviços Públicos (Asep) colocou ontem à disposição do público um telefone, de ligação gratuita, para receber queixas de serviços. Segundo o diretor da Asep, Hequel da Cunha Osório, o telefone (0800-265151) só deve ser usado por quem não conseguiu resolver seu problema junto à prestadora do serviço.

Maquinista está traumatizado

O maquinista Eduardo França de Oliveira, que sobreviveu ao acidente, não prestou depoimento ontem na delegacia nem na comissão de sindicância instaurada na SuperVia. Segundo o presidente da Associação dos Maquinistas Ferroviários, José Marques, Eduardo está traumatizado e a associação indicou um terapeuta para ajudá-lo. Segundo o presidente do Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil, Valmir de Lemos, o maquinista passou o dia de ontem descansando em casa de amigos. Valmir disse que Eduardo estava muito abalado e foi medicado com sedativos.

O maquinista teria dito aos sindicalistas que saiu com sua composição do desvio, depois que o sinal luminoso ficou verde. A colisão teria ocorrido a quatro metros da saída do desvio, dois segundos após ele ter dado partida.

- O sistema de sinais é automático. Mesmo que o controlador do CCO tenha determinado a abertura do sinal num momento errado, o sistema deveria ter recusado esse comando. Só se houve uma falha na sinalização - comentou um maquinista, que preferiu não se identificar.

Um inquérito foi instaurado ontem na 24ª DP (Piedade), para apurar os crimes de lesão corporal e homicídio culposo. A polícia vai chamar para depor, o maquinista, os diretores da SuperVia e as 24 vítimas, nas quais serão feitos o exame de corpo de delito. Também serão solicitados os laudos do Instituto Carlos Éboli e do Corpo de Bombeiros.

Necessidade supera o medo

A necessidade falou mais alto e foi a justificativa dos poucos passageiros e ambulantes que controlaram o medo e utilizaram, ontem mesmo, os trens do ramal de Belford Roxo. No dia seguinte ao acidente que resultou na morte de quatro pessoas e ferimentos em pelo menos outras 24, os usuários chegavam a aguardar mais de uma hora para poder embarcar numa composição. Durante a espera, o violento acidente era o único assunto dos passageiros.

- Na hora da batida estava no terceiro vagão e caí de joelhos. Pensei que o trem tivesse saído da linha. A sorte é que estava vazio e não corria - recorda o ambulante Décio Luiz Vale, de 42 anos, que apesar do joelho machucado, voltou ontem mesmo a vender balas, para garantir seu sustento .

Ao lado do marido e da filhinha de 2 anos, a dona de casa Rosemary de Souza, de 32 anos, não escondia seu temor.

- Eu disse que estava com medo de pegar esse trem, mas meu marido teimou - contou.

Apesar dos apelos da mãe para que não pegasse o trem de Belford Roxo ontem, a estudante Daniele Cirino, de 22 anos, preferiu correr o risco.

- Vim de ônibus para o Centro, mas resolvi voltar de trem porque desço mais perto de casa, em Honório Gurgel. O pior desta linha é que não tem segurança, vive tendo assalto - contou Daniele, que chegou à plataforma da Central às 9h, mas esperou até às 10h45m para que o trem de Belford Roxo saísse.

Temos telefone na cabine. Às vezes ele funciona. Outras, não

Carlos Alberto Teixeira, 46 anos, maquinista, é integrante da comissão que analisará as causas do choque entre dois trens, terça-feira, em Pilares

Trabalho há 20 anos como maquinista, sendo que 16 deles somente no ramal de Belford Roxo. Quando entrei aqui, ouvi que maquinista era como goleiro: quando o time ganha, tudo bem. Mas quando perde, é o culpado pela derrota. Acho que é preciso tirar essa carga do maquinista. Na hora que ele chega a um cruzamento, é obrigado a tomar conta de tudo. Temos telefone na cabine, só que, às vezes, funciona, outras não. Numa situação dessas, tem que ter alguém do outro lado da linha, lá na Central de Operações, orientando sobre o que está acontecendo à frente, para a gente saber se pode prosseguir ou não com a composição. O descarrilamento acontece por causa do abandono em que se encontra a ferrovia. Mas o acidente entre dois trens, da forma que aconteceu, demonstra que é preciso ter alguns cuidados que não estão sendo tomados. Não posso apontar somente a sinalização como a causa do choque das composições. Não é um único fator que provoca um acidente. Na verdade, são vários fatores que, em conjunto, acabam provocando um imprevisto. Eu e outros quatro maquinistas, que também trabalham neste ramal de Belford Roxo, vamos fazer parte de uma comissão que vai analisar o que houve. Só com o resultado da análise a gente vai saber, ao certo, o que aconteceu no dia do acidente.


Com Ana Cristina Campos e Cláudia Rodrigues

domingo, janeiro 03, 1999

Morador de São Gonçalo reclama do valor

RIO (Extra) - Dono de uma casa na Rua Francisco Pinto, no bairro Zé Garoto, em São Gonçalo, o aposentado José Carlos de Frias Vasconcelos, de 49 anos, vai desembolsar R$ 1.690,27 pelo Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) cobrado pelo direito de morar na área mais nobre de cidade. Sem dinheiro para quitar o tributo em cota única, José Carlos vai parcelar o pagamento, perdendo o direito ao desconto de 12% concedido até fevereiro e de 6%, até março. Ele diz que não é contra a cobrança do IPTU, mas reclama da falta de infraestrutura onde mora.

Segundo o aposentado, o valor a ser pago não corresponde ao equipamento urbano oferecido pela Prefeitura.

Itens como iluminação pública, saneamento básico e proximidade de favelas influem no cálculo do IPTU. Os argumentos dele são semelhantes aos de quem reside na Avenida Prefeito Mendes de Moraes, em São Conrado, Zona Sul do Rio, detentora do IPTU mais caro da cidade (R$ 2.088,24).

Apesar da comodidade de contar com um shopping center (São Conrado Fashion Mall) e da vista para o mar, os moradores do bairro, como o ex-prefeito Cesar Maia, convivem com o tráfico de drogas na Rocinha e as línguas negras nas praias de São Conrado e do Pepino.

- O cara que mora lá abre a janela e vê o mar. Aqui, dou de cara com um rio sujo e poluído e a rua cheia de buracos. Tenho um apartamento de 80 metros quadrados na Rua Miguel de Frias, em Icaraí (Niterói), pelo qual terei que pagar R$ 545,80 de IPTU - compara José Carlos.

A aposentada Maria del Carmen Pinheiro Rodrigues, de 47 anos, também não vai pagar o IPTU em cota única como costumava fazer até o ano passado, parcelando-o. Maria del Carmen mora em uma casa de 40 metros quadrados na Rua Nazário Machado, em Amendoeiras, bairro de classe média baixa, em São Gonçalo, cujo IPTU é de R$ 205.

De acordo com ela, somente há quatro meses a prefeitura instalou postes de luz e a rede de esgotos na rua. Mas falta pavimentar o lugar, ainda sujeito a buracos e a poças de lama em dias de chuva. As críticas de Maria del Carmen não são tão veementes quantos as de José Carlos Vasconcelos, mas ela estranha o valor cobrado de sua mãe, a espanhola Rosa Martinez Pazo, de 66.

- Minha mãe mora aqui ao lado e vai pagar R$ 371. É um absurdo! No ano passado, o imposto ficou muito puxado - reclama a aposentada, referindo-se ao aumento tributário autorizado pelo prefeito Edson Ezequiel (PDT) em 1997.