Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

domingo, março 28, 1999

Condomínio da PM vira refúgio na guerra do pó

Moradores de conjunto em Olaria convivem com tiroteios e assaltos

RIO (Extra) - Dizem que a casa de um homem é o seu castelo. O velho ditado, no entanto, não se aplica ao conjunto habitacional da Polícia Militar, em Olaria, onde cada um dos 4.160 apartamentos é uma verdadeira casamata na guerra que acontece entre os complexos do Alemão e da Vila Cruzeiro, que cercam o condomínio, freqüentemente atingido por balas perdidas. No Aurélio, o verbete casamata significa "abrigo subterrâneo, de grossas paredes, para instalação de baterias ou proteção de materiais e pessoas".

A diferença é que essas "casamatas residenciais" ficam nos 260 edifícios do conjunto, no meio do caminho dos tiros disparados das favelas. Os prédios ficam a 800 metros da Vila Cruzeiro e a mil do Complexo do Alemão. Essa distância, porém, não garante segurança contra outro perigo que habita o lugar: moradores e comerciantes acusam filhos de policiais militares vizinhos de envolvimento com traficantes e em roubo a residências.

- O que mais tem aqui é roubo à luz do dia. Eles esperam a gente sair para levar tudo de casa. São filhos de PMs, muitos viciados, que se misturam com traficantes. Todo mundo sabe quem são, mas ninguém denuncia porque todos se conhecem aqui - afirma a comerciante X., moradora do conjunto há 20 anos.

O PM reformado Nilson Caputo, de 64 anos, já viveu essas duas situações e sua história é famosa nas redondezas. Há quatro anos, sua geladeira foi destruída por um tiro de fuzil AR-15 vindo da Vila Cruzeiro. A bala atravessou a janela de seu apartamento, duas cortinas, a sala de estar e a cozinha, onde penetrou o refrigerador.

Assustado, ele levantou uma parede onde era a entrada da cozinha, que fica na direção da janela e da favela. Ou seja, construiu uma casamata. Um ano depois, roubaram-lhe a bicicleta e dois botijões de gás:

- A bala destruiu tudo na geladeira. Se houvesse alguém na cozinha, seria atingido. Depois, houve esse roubo. Todos sabem que há filhos de PMs envolvidos nisso e com o tráfico. Eles já têm um histórico de delitos.

Trocaria meu apartamento por uma casa na favela sem pensar

A comerciante X., de 29 anos, mora há 20 no conjunto habitacional da PM e diz que se sentiria mais segura no morro

Tem um monte de apartamento com marca de bala aqui. Tem o do Edson, no bloco 11, na quadra G/H, o da Diva, no bloco 15, na quadra J/K, e outros dois, também na quadra J/K. Mas tem muito mais por aí. É só procurar. Já foi pior, quando a guerra entre o pessoal do Alemão e da Vila Cruzeiro estava pegando fogo.

E tem os roubos dentro de casa. Todo mundo sabe que filhos de PMs estão metidos com traficantes desses dois morros. Eles sabem quando não tem ninguém em casa e limpam tudo.

Há pouco tempo levaram tudo da dona Hélia, no bloco 13, da quadra G/H. Ela é viúva e não encontrou nada em casa. A casa da minha vizinha também foi saqueada por esses caras.

Eles só roubam dos pobres. É por isso que trocaria meu apartamento por uma casa na favela num piscar de olhos. Lá, os traficantes não deixam que ninguém roube ou estupre. Os bandidos só mexem com quem deve para eles. Acho que viveria mais em paz.


Destino de desafetos é o 'microondas'

As histórias de assaltos e balas perdidas cravadas nos apartamentos são antigas e se repetem em cada esquina das ruas que cortam o conjunto, bem como o medo que cerca as pessoas, que temem denunciar tudo abertamente. Além de Nilson Caputo, o também policial reformado Gérson Pereira, de 66 anos, encontrou a casa roubada em dezembro do ano passado e não tem dúvidas em afirmar que o crime está ligado a filhos de PMs:

- Esses garotos são terríveis. Levaram o videocassete, um relógio, fitas de vídeo e mais R$ 140. Eles sabiam que não tem ninguém em casa entre 11h e 15h. Volta e meia aparece alguém com um caso de roubo e de bala perdida em casa. A dona Hélia, por exemplo, ficou sem nada. Tudo isso é constante por aqui.

- Na verdade, moramos em uma bacia ilhada por morros. Não há o que fazer contra as balas - completa Caputo.

E, na falta de uma solução, há quem faça justiça com as próprias mãos, executando e ocultando os corpos desses criminosos.

- Quem é pego mexendo com a gente some - conta um rapaz, que também não quis se identificar. - No morro, eles jogam no "microondas" (tonel cheio de combustível onde as pessoas são queimadas, vivas ou não). Aqui, jogamos logo no valão.

Filhos de PMs do outro lado da moeda

Segundo o major José Luís Nepomuceno, ex-chefe do Serviço Reservado (P-2) do 16 BPM (Olaria), as informações sobre o envolvimento de filhos de PMs com o crime são conhecidas há muito tempo, mas a ação policial esbarra no corporativismo e em questões sócio-econômicas, além da guerra pelo controle do tráfico que domina a região. Desta forma, adolescentes poderiam estar atirando contra suas casas.

- Infelizmente, essas denúncias são antigas. Os pais trabalham o dia inteiro e não há uma escola ou um curso técnico para esses jovens, que ficam desocupados, sendo cooptados pelo tráfico. Eles começam roubando apartamentos e carros. O pior é que o povo não denuncia e causa mal-estar quando se prende o filho de um policial - explica o major, atualmente na P-2 do 9 BPM (Rocha Miranda).

A resposta para o problema pode estar em um projeto, que vem sendo elaborado pela Secretaria de Segurança Pública, financiado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, para retirar os policiais de áreas de risco, como favelas. De acordo com o subsecretário Luiz Eduardo Soares, o governo estuda duas possibilidades: abrir linhas de crédito para compra de casa própria ou construir conjuntos populares.

- Prefiro a primeira opção, para não ver policiais morando em guetos, como acontece com conjuntos já existentes - conta o subsecretário, acrescentando que o projeto deve estar concluído até o fim de abril.

Enquanto isso, resta como opção levantar muros dentro de casa, como fez Nilson Caputo. Outros pensam em sair dali, como a dona de casa Andréa Reis, de 29 anos, mãe de Paula e Ariane, de 2 e 7:

- Moramos no conjunto da PM e não temos segurança.

sexta-feira, março 12, 1999

O dia das balas perdidas

Em Realengo, 3 vítimas iam para a igreja. No Lins, uma criança e uma jovem foram alvo

RIO (Extra) - Dona Nádia Matos da Silva, seu marido e uma amiga com um bebê ao colo tranqüilamente esperavam o ônibus, em Realengo. Evangélicos, iam ao culto. Mas foram para o hospital: um rapaz armado passou pedalando uma bicicleta e atirando. O alvo era um comerciante, que morreu na hora. Eles acabaram feridos pelas balas perdidas que no complexo do Lins fizeram duas outras vítimas na noite de quarta-feira: uma menina de 1 ano e 11 meses e uma adolescente. Nos morros onde elas moram, os traficantes estão em guerra. Enquanto isso, no Palácio Guanabara, o governador Garotinho, chegando de Paris, disse que não sabe como evitar tais acidentes.

Apesar dos pedidos contrários dos filhos, a dona de casa Nádia Matos da Silva, de 40 anos, resolveu ir à igreja na noite de quarta-feira. Acompanhada do marido e de uma amiga com um bebê de colo, ela esperava o ônibus em Realengo, Zona Oeste, quando um rapaz passou de bicicleta atirando. O alvo era o dono de uma farmácia, que morreu poucos metros à frente, mas balas perdidas também acabaram ferindo os três evangélicos.

- Foi Deus quem avisou meus filhos e também foi Ele quem nos salvou da morte - disse Nádia aliviada.

O tiroteio aconteceu por volta das 18h45m no ponto de ônibus da Rua Marechal Marciano, esquina com Marechal Modestino. Os três evangélicos esperavam o coletivo da linha 739 (Bangu-Sulacap) para assistirem ao culto na Assembléia de Deus do bairro Jardim Novo. Outras três pessoas também estavam no local, entre elas o comerciante Aluísio Darci da Silva, de 33 anos.

Quando um rapaz passou de bicicleta fazendo vários disparos com uma pistola, todos correram. Aluísio não teve como escapar. Outro homem o esperava logo adiante.

Uma bala perdida atingiu o calcanhar direito de Nádia. O marido dela, o técnico em elevadores Paulo César Mendes, de 38, foi baleado na perna esquerda. Já a amiga do casal, Rosemary Avelino de Andrade, de 22, foi ferida apenas por estilhaços nas nádegas.

- Ela chegou a ficar paralisada de medo porque estava com o filho de oito meses no colo. Tive que puxar a Rosemary dali - contou Nádia.

Os feridos foram socorridos no Hospital Albert Schwaitzer, em Realengo, e rapidamente liberados. O caso foi registrado na 33ª DP (Realengo), onde policiais já começaram a investigar o caso.

Vizinhos estão assustados

Surpresos e assustados. Assim reagiram, na manhã de ontem, os amigos e fregueses de Aluísio Darci da Silva ao saberem de sua morte violenta. Em frente à porta fechada da farmácia Elis, a cerca de 300 metros do local do crime, eles tentavam entender o que havia acontecido.

- Não dá para imaginar porque fizeram isto. Ele era uma pessoa boa, cheia de amigos - contou um amigo que preferiu não se identificar.

Aluísio era casado, tinha um filho e morava na Vila Vintém. Há dez anos tinha uma farmácia na Rua Manaus. O dono de uma loja próxima disse que todos os moradores e comerciantes da região estão assustados por não saberem o que motivou a morte de Aluísio.

O delegado Renato Coelho, da 33ª DP (Realengo), disse que a hipótese inicial para o crime é vingança. Nos próximos dias, as pessoas feridas pelas balas perdidas devem ser ouvidas para ajudar a fazer o retrato-falado dos assassinos.

Pensei que tivesse sido uma pedrada

Nádia Matos da Silva, de 40 anos, foi alvo de bala perdida em Realengo

Nunca imaginei que ia viver uma situação de tanto pavor quanto esta. É um alívio poder estar contando isto agora. Estávamos todos tranqüilos, esperando o ônibus, era a primeira vez que levava minha amiga Rosemary ao culto. De repente, aparece aquele rapaz de bicicleta atirando. Fiquei tão apavorado que nem lembro como ele era. Só sei que foram muitos tiros. No mesmo momento, fomos baleados, mas nem sentimos e saímos correndo. Pensei que tinha levado apenas uma pedrada no pé. Meu marido caiu logo depois no chão com a dor. Minha amiga ficou paralisada, gritando de tão nervosa, com o bebê no colo. Tive que voltar para puxá-la e nos escondemos atrás de um muro. Espantei-me com a violência. Moro aqui, em Realengo, desde que nasci, e nunca vi isto acontecer. Este lugar é tranqüilo. Mas também não vou deixar de sair, de ir à igreja, de viver por causa disto. Foi uma fatalidade. Meus filhos até pediram para eu não ir à igreja ontem (quarta-feira). Deve ter sido um aviso divino. Com certeza, Deus estava lá para nos proteger. Ele nos salvou do pior e minha fé se multiplicou ainda mais depois deste acidente.


Garotinho: 'Isso vai ter sempre'

O governador Anthony Garotinho, que voltou ontem de Paris, garantiu que o Governo está trabalhando para combater os casos de balas perdidas, mas admitiu que não há como evitar que acidentes como esses aconteçam.

- Isso vai ocorrer sempre. Na França vi muito menos policiamento ostensivo do que aqui. Lá há problemas sérios, com gangues de jovens na periferia. É assim no mundo inteiro. Num país pobre como o nosso, com toda esta injustiça social, isso ocorre mais - justificou o governador.

Sobre a pesquisa do IBGE divulgada na quarta-feira, que mostra que o número de jovens mortos no Rio cresceu, Garotinho enfatizou que o estudo falava de jovens de até 25 anos, e não da violência em geral. E atribuiu o resultado da pesquisa à política do Governo Marcello Alencar.

- Este alto índice aconteceu por causa de uma política completamente equivocada seguida pelo Governo anterior. Uma política de confronto que estimulava o policial a matar. A famosa gratificação faroeste. Aos poucos nós estamos extinguindo isto. As taxas de criminalidade estão caindo na média global. Isto foi uma coisa que sentimos no exterior. A imagem do Rio melhorou muito e a de São Paulo piorou. Isso já é o resultado da política que estamos desenvolvendo na área de segurança - afirmou Garotinho.

Depois de Ayane, a dor da jovem A.

A guerra de traficantes dos morros do complexo do Lins fez duas vítimas na noite de quarta-feira. Além da menina Ayane Moura Duarte, de 1 ano e 11 meses, baleada no peito no Morro do Amor, a adolescente A., de 15 anos, também foi baleada no tórax, no Morro da Cachoeirinha. Ela chegou ao Hospital Salgado Filho, no Méier, às 20h, foi medicada e liberada em seguida, mas o caso não foi registrado na delegacia da área. O delegado da 25ª DP (Engenho Novo) só soube às 11h da manhã seguinte, e o comandante do 3º BPM (Méier), tomou conhecimento do fato só às 17h45m.

Os policiais da sala de polícia do HSF não registraram o caso. Ao saber do acontecido, o delegado da 25ª DP (Engenho Novo), Claide Ribeiro Filho, mandou um ofício ao HSF para saber o motivo de a polícia não ter sido alertada:

- A obrigação do hospital é notificar a polícia nesses casos, o que não aconteceu. Já mandei apurar o caso.

O diretor da divisão médica do HSF, Werter Garfield, eximiu o hospital de culpa:

- Não sei o que pode ter acontecido. No boletim médico está grafado "caso policial". Se não houve registro, o erro não foi dos médicos - assegurou.

O comandante do 3º BPM (Méier), coronel Pedro Patrício, só tomou conhecimento do caso de A. no final da tarde. Para ele, o que existe no Lins não é guerra e não há pânico.

- Os traficantes estão tentando retomar pontos de venda de drogas, e acabam acontecendo tiroteios entre eles. Mesmo assim, o dia-a-dia da favela continua o mesmo, dentro da rotina - garante.

Este não foi o quadro encontrado pela equipe do EXTRA, que esteve no Morro do Amor às 13h. A Rua Zizi, que dá acesso ao morro, estava completamente deserta, salientando o clima tenso.

Ayane continua internada na UTI pediátrica do Hospital Salgado Filho. De acordo com os médicos, seu quadro é muito grave, e ela ainda corre risco de vida.

Gari é assassinado enquanto dormia

Delegado registra caso como bala perdida, mas depois volta atrás

O sonho do gari José Carlos de Souza, de 29 anos, de ser pai ainda este ano foi desfeito quarta-feira à noite por um tiro que o acertou enquanto dormia em casa, na Cidade de Deus, em Jacarepaguá. Funcionário da associação de moradores, José Carlos foi atingido no rosto num barraco de apenas um cômodo que dividia com a mulher e a filha de 5 anos.

- O que ele mais queria era um filho. Estava entusiasmado com a minha gravidez. Agora não sei qual será o futuro da criança - desabafou sua mulher, Ana Paula Clemente.

A morte do gari comunitário chegou a ser investigada inicialmente como sendo provocada por bala perdida. No registro de ocorrência da 32 DP (Jacarepaguá), a Polícia Militar apresentou a versão de que o tiro partiu de um tiroteio entre traficantes que disputavam a venda de drogas na Cidade de Deus. Só ontem à noite, a Polícia Civil divulgou informações de que o gari foi assassinado.

- Fui informado de um laudo prévio do Instituto Médico Legal que revela que ele levou dois tiros, um no rosto e o outro de raspão no braço. Os disparos foram feitos à curta distância, devido às marcas deixadas no corpo. Isso invalida a hipótese de bala perdida - alegou o delegado José Benedito Antônio.

José Carlos foi descrito pela família como um homem pacato, sem vícios e dedicado à mulher. Ainda sem saber do laudo, Ana Paula não acreditava que o marido tivesse sido assassinado. Ela o encontrou em casa, por volta de 21h, na quarta-feira, depois de ele faltar a um compromisso importante. A casa estava com as janelas abertas e a televisão ligada. O corpo estava de bruços sobre a cama.

- Ainda brinquei com ele dizendo para acordar. Só quando minha filha o virou pude ver o que tinha acontecido realmente. É muita violência - lembrou Ana Paula, que estava casada há sete meses e grávida há quatro.

Falei para ele acordar, mas estava morto

Ana Paula Clemente, de 22 anos, está grávida de quatro meses do gari comunitário com quem estava casada há sete meses

Ainda pensei que ele estava vivo quando cheguei em casa à noite. Falei para ele acordar porque estava cedo para continuar dormindo. Minha filha pulou em cima dele tentando acordá-lo. Só quando ela virou seu rosto é que vi todo aquele sangue e tomei um grande susto. Estou grávida há quatro meses, esperando um filho que seria a realização do sonho dele. Estava muito entusiasmado. Não sei como ele foi morto. Era uma pessoa querida e dedicada à família.


Com Eduardo Auler, Gustavo de Almeida e Milene Ponce de Leon

quarta-feira, março 10, 1999

Um conselho que não cola

Detran manda motorista instalar adesivo no carro para se livrar das multas

RIO (Extra) - Os motoristas estão desprotegidos contra o golpe da cópia de placas de veículos no Rio. A montagem de carros com as mesmas características, cor e modelo do original não pode ser combatida pelo Detran. O departamento de trânsito admitiu ontem que não tem como identificar os casos nos quais os motoristas são multados indevidamente devido à cópia. Assim, tornam-se mínimas as chances de decisões favoráveis nos recursos impetrados no Detran.

Há apenas uma possibilidade de o motorista escapar da fraude e provar sua inocência. De acordo com a Junta Administrativa de Recurso de Infrações (Jari), o clone só pode ser comprovado nas multas aplicadas com base em fotografias tiradas do carro durante uma infração de trânsito. Uma característica própria do carro - um emblema ou um adesivo fixo - diferencia o original do montado. Só que o Código Brasileiro de Trânsito proíbe o uso de inscrições no seu Artigo 111 "de caráter publicitário ou qualquer outra que possa desviar a atenção dos condutores em toda a extensão do pára-brisa e da traseira...".

A anistia de multas de veículos clonados já foi feita no Detran. Em 1998, um motorista conseguiu provar que o carro fotografado não era o seu por um detalhe (emblema da concessionária) na lataria. Mas nos casos que as fotos não são usadas como provas os motoristas não têm saída.

Para evitar a fraude, o Detran está contando com a reativação da Companhia de Trânsito da PM. Assim, espera-se flagrar carros clonados durante as blitzs. O departamento está investigando também a máfia de funcionários que participam do golpe.

Detran cria disque-denúncia

O Detran está tentando identificar a extensão do envolvimento de funcionários no golpe da clonagem de veículos no Rio. Para isso, foi criado ontem um serviço de disque-denúncia (460-4042), que funcionará de 7h30m até meia-noite. O departamento não tem dúvidas da participação de servidores no desvio e na falsificação de documentos e na transmissão de informações sobre as características dos carros a serem clonados.

Os documentos de propriedade dos veículos usados nos clones são originais do Detran. Há o registro no departamento do desvio de mais de 3,5 mil espelhos há três anos, que podem estar sendo usados para esquentar os veículos adulterados a partir do original. Sabe-se também do roubo dos mesmos documentos em ciretrans do Interior do estado, como Itaperuna.

Para o Detran, está claro também que funcionários são responsáveis pelas informações dos veículos clonados. Em posse de espelhos falsos em branco, o fraudador consegue dados do veículo a ser clonado com o uso de um carro roubado. Investiga-se até que os documentos são impressos dentro do próprio Detran.

A investigação ainda não conseguiu dados do total de carros clonados. O departamento, inclusive, não tem estatística de quantos motoristas acusam a clonagem nos recursos de multas.

Multa deve ser questionada

Para o diretor do núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o defensor Carlos André de Castro, a primeira providência a ser tomada pelos motoristas punidos injustamente por placas clonadas deve ser procurar o Detran e pedir a revisão da multa.

- É obrigação do Estado comprovar que foi a pessoa que cometeu a infração. Quem recebeu multa indevida deve procurar o Detran. Se não der resultado, o jeito é recorrer ao Judiciário - orienta o defensor, acrescentando que esse processo leva dois anos.

Na opinião dele, pagar a multa, mesmo que injusta, pode ser vantajoso.

- O Detran tem oferecido desconto para quem paga a multa com antecedência. É mais interessante pagar. O pagamento não cria obstáculo para o recurso. E, além disso, se o motorista perder o recurso ou a ação, terá de desembolsar, depois, o valor total da multa.

Para o advogado Paulo Lourenço Dias, que criou o SOS Multas, um serviço para quem pretende recorrer de infrações de trânsito, o golpe das placas clonadas tem solução.

- Se os órgãos de trânsito cumprissem a determinação do código, que estabelece que o infrator deve ser parado pelo agente e ter seus documentos verificados, o fraudador seria identificado e punido.

Mas ele acrescentou que o código abre brechas para o erro quando diz que é possível multar um veículo sem parar o motorista. Neste caso, segundo Dias, a vítima de clone deve ficar atenta ao tipo de infração. Se ela tiver sido registrada por equipamento eletrônico, pode-se comprovar a fraude e entrar com um recurso. No caso de multa anotada por agente de trânsito, o motorista deve prestar atenção ao auto de infração e verificar se os dados de identificação do veículo foram preenchidos corretamente.

Estou numa situação ilegal sem ser

Alfredo de Miranda teve seu Fiat Uno clonado e já recebeu quatro multas aplicadas em Nova Iguaçu, somando 12 pontos e R$ 891,02

Sou um cara muito certinho e fui logo aos órgãos competentes para resolver isso. Se dependesse da minha aposentadoria, que é de R$ 600, não teria como pagar essas multas e ficaria sem poder dirigir. Meu maior medo é que o dono desse carro faça algo mais sério, como assaltar alguém ou até mesmo praticar um seqüestro.

Nem conheço Nova Iguaçu. Meu percurso inclui apenas Jacarepaguá, onde moro, Barra, Centro, Zona Sul e Bangu. Nada mais além disso.

Tenho 40 anos de carteira e, se recebi dez multas, foi muito.

Abri um processo no Detran, que não deu em nada. Eles me enviaram uma carta, dizendo que não havia clonagem. Um funcionário de lá me disse que o problema era da polícia, que eles não podiam fazer nada.

Entrei com recursos na Jari, na Ciretran e no DER-RJ, mas até agora não obtive resposta.

Agora, estou de mãos atadas. Não posso vender o carro por causa das multas. Estou em uma situação ilegal sem estar. Não tenho mais para onde correr.


Uma placa para dois carros

Fraude pode fazer com que Ford Escort vire Uno

Os casos de clonagem de veículos incluem ainda outra modalidade de fraude: a duplicação das placas de identificação, de forma que dois automóveis de marcas e modelos completamente diferentes sejam reconhecidos pelo Detran como se fossem um só. Foi o que aconteceu com André Marins (foto), dono da Tino-Car, na Taquara.

Há dois anos, ele vendeu em sua loja um Ford Escort L. Em abril do ano passado, a dona do veículo retornou, reclamando ter recebido uma multa inexistente, aplicada a um Fiat Uno, flagrado na Rua Jardim Botânico com a mesma placa de seu carro (LIU-9169).

André Marins, então, entrou com um recurso no Detran, mas até hoje não recebeu uma posição em relação à multa de R$ 115,33 aplicada por estacionamento proibido. A penalidade é considerada grave pelo Código de Trânsito Brasileiro, resultando na perda de cinco pontos no prontuário da motorista.

- Prefiro até pagar, se for apenas uma multa, para me livrar desse problema e poupar o cliente. Mas, nesse caso, entrei com um recurso no Detran, mas ainda não resolveram o problema. É óbvio que a placa foi clonada. Vendi um Escort e a multa é de um Uno - conta Marins.

O comerciante prossegue em sua queixa ao Detran.

- Neste caso, nem foi preciso a foto do veículo multado. É só confrontar a multa emitida pelo Detran com o registro do carro para confirmar a fraude - reclama ele, lembrando a lentidão do órgão que, segundo ele, demora "até dois anos" para registrar uma multa.

NO MUNICÍPIO

1ª Jari - Avenida Presidente Vargas, 817, 22º andar, Centro;

2ª Jari - Avenida Bartolomeu Mitre, 1.297, Leblon;

3ª Jari - Rua Visconde de Santa Isabel, 34, Vila Isabel;

4ª Jari - Rua Vinte e Quatro de Maio, 931, fundos, Engenho Novo;

5ª Jari - Terminal de Agente de Cargas Aéreas, Estrada do Galeão, Ponta do Galeão s/n, loja S, Ilha do Governador;

6ª Jari - Rua Carvalho de Souza, 274, Madureira;

7ª Jari - Avenida Ayrton Senna, 2001, Barra da Tijuca;

8ª, 9ª e 10ª Jaris - Rua Dom Pedrito s/n, Campo Grande.

O telefone geral de todas as jaris é 507-1819.

MULTAS EMITIDAS PELO DETRAN

Para recorrer das multas aplicadas pela PM, o motorista deve comparecer ao protocolo geral do Detran, na Avenida Presidente Vargas, 817, 2º andar. O infrator precisa preencher um formulário com a justificativa para o pedido de cancelamento da multa. Basta levar notificação, documento do carro e do motorista

DER

O motorista pode recorrer das multas anotadas pelos radares eletrônicos do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem no escritório da Avenida Presidente Vargas, 1.100, 5º andar, sala 10. Os documentos são os mesmos do Detran

PRF

Recursos contra multas aplicadas pela PRF devem ser pedidos no escritório do órgão, na Rodovia Presidente Dutra, Km 43.

Com Cláudia Soares Rodrigues, Eduardo Auler e Josiane Duarte