Dias de Notícias

Notícias escritas e assinadas por mim, Marcelo Dias, a partir de 1998.

segunda-feira, abril 26, 1999

O ano que não começou

Por falta de professor, cerca de 260 mil alunos da rede municipal estão sem aula

RIO (Extra) - A falta de professores afeta seriamente quase a metade da rede pública municipal de ensino, prejudicando centenas de milhares de alunos. Segundo a Secretaria municipal de Educação, as áreas que mais sofrem com o problema são as zonas Sul e Oeste, onde estão 510 das 1.033 escolas. A secretária Carmem Moura não arrisca dizer quantos estudantes estão sem aula, mas o coordenador geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) do Rio, Gualberto Tinoco, afirma que a carência no magistério atinge 40% dos 670 mil estudantes (288 mil).

O problema tem origem no início do ano passado, quando o prefeito Luiz Paulo Conde autorizou a realização de um concurso público em dezembro para contratação de 2.930 professores. Destes, 1.800 para o Primário. Entretanto, a burocracia do município impediu a convocação imediata dos aprovados, fazendo com que o ano letivo, que deveria ter iniciado no dia 4 de fevereiro, começasse apenas na semana passada em algumas escolas. Atualmente, há 32.200 professores na rede municipal.

No Ginário a situação é mais crítica. Há carência de porfessores de geografia, inglês, espanhol e educação artística. A secretária Carmem Moura diz que, ao contrário de 1998, não pôde completar o quadro do magistério municipal com contratações em regime de urgência.

- A lei não permitiu a renovação desses contratos, que duraram seis meses, até janeiro. De qualquer forma, a lotação dos professores termina nesta semana. Em seguida, vamos convocar os que estão na lista de espera, pois muitos desistiram de assumir o cargo. Priorizamos os de 1 a 4 séries para não deixar a criança em casa - afirmou Carmem Moura, prometendo resolver a questão até o fim de maio.

Ou seja, quase quatro meses depois de iniciado o ano letivo de 1999.

Legenda de foto:Alunos da escola Teotônio Vilela, na Vila do João, no Complexo da Maré, mostram as folhas dos cadernos em branco: secretária diz que situação só se normalizará em maio

Já estava cansado de passar os dias brincando, sem ir ao colégio

Anderson Assis Dias, de 10 anos, é aluno da 4 série da Escola Municipal Teotônio Vilela, na Vila do João, favela que integra o Complexo da Maré

Já estava cansado de passar os dias brincando e olhando outras crianças indo para a escola. Só na segunda-feira passada eu fui assitir às aulas, ainda assim em algumas matérias não há professor. Eu queria que as aulas começassem logo porque estava com saudade. Mas no meu colégio ninguém sabe me informar direito se vai ter ou não professor nas matérias que faltam. Além disso, não sabem informar também se haverá férias ou não no meio do ano. Quer dizer, não posso nem programar um passeio à casa da minha avó.


Aulas aos sábados para repor dias perdidos

Com a volta dos professores, prevista para maio, resta outro ponto a ser debatido no calendário escolar deste ano: a reposição das aulas perdidas.

- Vamos estudar as melhores estratégias, como aulas aos sábados e a prorrogação das aulas em uma hora. Cada escola vai relacionar suas necessidades - conta a secretária Carmem Moura.

Entretanto, o otimismo dela contrasta com o pessimismo da presidente da Apaep, Elaine Rodrigues. Para ela, o estrago já está feito e é irrecuperável, citando como exemplo o que aconteceu em 1994.

- Já vimos isso antes em 1994, quando houve uma greve de 24 dias e, depois, juntou com a Copa, virando bagunça e ficando por aquilo mesmo. Hoje é pior. Como ela promete isso se há escolas que ficaram mais de dois meses sem aula? - questiona.

Gualberto Tinoco, do Sepe, acrescenta outra equação a ser resolvida pela Secretaria de Educação: o déficit de professores. Carmem Moura afirma que a contratação dos 2.930 concursados soluciona o caso em maio. O quadro apresentado por Tinoco, no entanto, é mais negro do que o estimado pela Prefeitura.

- A carência de professores é muito grande. Faltam 3.245 profissionais e só foram convocados 2.930 - rebate o coordenador.

Tinoco vai além e diz que a distância da Zona Oeste amplifica a gravidade da questão, já que a maioria dos professores não vivem lá, desconhecendo o perfil daqueles alunos, prejudicando ainda mais a reposição do período letivo:

- A Zona Oeste é a mais prejudicada. Ali, só tem uma escola de formação de professores (Instituto Sarah Kubitschek). As pessoas não moram nem vivem ali. A chance que esses alunos têm de recuperar o ano são pequenas.

Turmas tiveram carga reduzida

Enquanto isso, os colégios vão se virando como podem para contornar a situação. Na Escola Municipal Teotônio Vilela, na Vila do João, no Complexo da Maré, Bonsucesso, algumas turmas tiveram a carga horária reduzida para que os professores disponíveis possam atender a todas. A medida, no entanto, não foi suficiente, fazendo com que os alunos de 3 série voltassem às aulas no fim de março. Os da 4 série retornaram na segunda-feira apenas. No Ciep Hélio Smidt, ainda na Maré, a falta de professores se alia à guerra de traficantes que ocorre na vizinhança.

- Minha filha de 8 anos estuda na 2 série e só tem duas horas e meia de aula. A diretora só diz que não tem professor e que, talvez, as crianças não tenham férias - reclama a dona de casa Filó Maria.

- Antes, o problema se restringia à Zona Oeste e à Sul. Agora, é generalizado. Várias turmas estão com horários reduzidos - denuncia a presidente da Associação de Pais e Amigos da Escola Publica na Cidade do Rio de Janeiro (Apaep), Elaine Rodrigues.

Associação: estamos alijados

A falta de diálogo entre pais e Prefeitura foi outro agravante que contribuiu para o quadro atual. Elaine Rodrigues, da Apaep, acusa o município de ter retirado o direito de a associação participar do Conselho Municipal de Educação. O órgão foi criado em julho de 1986 através da Lei 859, pelo então prefeito Saturnino Braga, e regulamentado por Luiz Paulo Conde no Decreto 14.522, de 11 de janeiro de 1996, tendo seus 12 membros empossados em agosto daquele ano.

Para tomar parte da mesa, as entidades civis devem estar registradas há, pelo menos, dois anos. Em novembro do ano passado, a Apaep - criada em 1994 - teve sua legitimidade questionada, sendo afastada do conselho.

- Entramos na Justiça para integrar o conselho. Em novembro, indeferiram o pedido. Mas, no segundo indeferimento, admitiriam que já existíamos no prazo exigido. Estamos tentando um mandado de segurança porque o conselho não conta mais com a participação de usuários - reclama Elaine.

Muitas páginas em branco

Sem assistir às aulas, alunos vão dando jeitinho

Alheios à discussão, os cerca de 268 mil estudantes prejudicados pela ausência de professores, segundo o Sepe, aguardam pelo desfecho da situação. Enquanto isso, as páginas onde deveriam constar lições de geografia, artes e línguas estrangeiras permanecem em branco. Impedidos de ter acesso à educação, alguns só retornaram às salas de aula há uma semana.

Tainara Regina de Araújo, de 11, confirma as palavras do colega de turma e lembra que a sina do narcotráfico na região dificulta o aprendizado.

- Foi muito ruim esse tempo todo em que ficamos em casa porque ficamos sem aula. Aqui, a gente aprende as coisas. Minhas irmãs estão na 1 e 3 séries e elas também ficaram sem professor. A única coisa que nos disseram é que ninguém queria trabalhar aqui por causa do perigo. Há pouco tempo, teve um monte de escola sem aula - diz ela, recordando a guerra travada em março entre traficantes das favelas Nova Holanda, Baixa do Sapateiro e Vila do João, que suspendeu as aulas em dez escolas do Complexo da Maré.

- Caramba! Se faltava professor, por que não botaram logo para trabalhar? Minha filha sente falta. Ela via o irmão indo para a creche e perguntava porque não ia para escola. Para que ela não ficasse à toa, botei-a para fazer natação. Passaram três meses e a situação não voltou ao normal. E eu não tinha dinheiro para bancar professora particular. Era uma situação insustentável - reclamou a caixa Mônica de la Peña, mãe da pequena Lara, de 5 anos, matriculada no Jardim de Infância da E. M. São Thomás de Aquino, no Leme, na Zona Sul.

Para não ficar para trás e correr o risco de perder o ano letivo, Marcelo Medeiros, de 8, da 3 Série da Teotônio Vilela, teve a ajuda de uma explicadora:

- As aulas voltaram no fim do mês passado. A minha sorte é que tem uma professora particular no meu prédio, que é amiga da minha mãe, e me ensinou matemática, português e comunicação. Assim, não precisamos pagar e nem fiquei tão prejudicado nos estudos.

quinta-feira, abril 22, 1999

Bala fere menino de 4 anos

Troca de tiros entre policiais e bandidos na Pavuna atinge garoto de raspão

RIO (Extra) - A noite de terça-feira ficará para sempre na memória de um menino de apenas 4 anos. Tiago Madeira Percu conheceu a violência do Rio ao ser atingido por uma das balas que visavam aos sargentos Carlos Magno do Sacramento e Márcio Ferreira, lotados no 9 BPM (Rocha Miranda). Os dois policiais foram alvejados na Avenida Automóvel Club, em frente à estação de metrô da Pavuna, por volta das 21h30m, por dois bandidos que estavam em um Cordoba (LBO-5901) roubado. Um dos tiros, direcionados para o carro da PM, atingiu de raspão a cabeça de Tiago.

O menino estava acompanhado pela mãe, Dirlene Madeira Percu, a um quarteirão de casa, na Rua Angelim. Ele foi atendido no Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, e liberado logo em seguida pelos médicos.

Os marginais passaram em alta velocidade a bordo do Cordoba, atirando contra os PMs. Os policiais, então, perseguiram o carro até a Rua Ender, área residencial de Fazenda Botafogo, trocando tiros com os bandidos.

Os disparos estilhaçaram o pára-brisas traseiro do veículo, mas não impediram sua fuga.

O carro foi encontrado mais tarde completamente avariado, com várias perfurações à bala na lataria, vidros e nos quatro pneus.

Os marginais também depenaram o interior do Cordoba, que teria sido roubado para transportar drogas e abandonado logo após o tiroteio. O caso está sendo investigado pela 40 DP (Honório Gurgel), onde foi feito o registro policial.

segunda-feira, abril 19, 1999

Pedágio aumenta passagens

Cobrança em rodovias prejudica a redução do valor de algumas tarifas de ônibus

RIO (Extra) - O decreto que a partir de hoje reduz em 15% o valor das passagens de 588 linhas de ônibus intermunicipais traz exceções para as que pagam pedágio na Região Metropolitana e utilizam os terminais da Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e de Terminais do Estado (Coderte). Duas portarias estaduais permitem que tais gastos sejam repassados para a tarifa cobrada pelas empresas. Assim, as passagens dessas linhas podem ultrapassar o valor fixado pela Secretaria estadual de Transportes em até R$ 0,12.

O estado admite que os ônibus que cruzam a Ponte Rio-Niterói tenham suas passagens aumentadas em, no máximo, R$ 0,05. Os que passam pelos pedágios da BR-116 (Rio-Teresópolis), da BR-040 (Rio-Juiz de Fora) e da Via Dutra (Rio-São Paulo), em até R$ 0,11 em suas tarifas. As linhas que utilizam as instalações da Coderte podem cobrar R$ 0,01 além da passagem normal.

Para que os passageiros não sejam pegos de surpresa, a Federação das Empresas de Transporte Rodoviário do Leste Meridional do Brasil (Fetranspor) determinou que esses ônibus tenham cartazes avisando sobre essa cobrança adicional. Apesar de ser legal, o governo considera injusta a brecha concedida pela lei e pretende rever esse e outros critérios adotados para o cálculo do valor das passagens após a instalação do Conselho de Política Tarifária, em maio.

- A tarifa é baseada em insumos e os do pedágio e dos terminais da Coderte são alguns deles. Mas esse valor é muito mais do que isso. Teremos um debate sobre transporte integrado e qualidade no serviço prestado e, assim, teremos outro quadro tarifário. Há algum esboço disso mas não temos datas para colocar o plano em prática, que é uma das metas do governo - explica o subsecretário de Transportes, Paulo Santos.

Empresários não aceitam os novos preços

O novo valor das passagens foi calculado de acordo com o Índice Geral de Preços, medido pela Fundação Getúlio Vargas, que considerou a inflação acumulada de junho de 1994 a fevereiro de 1999. O governador Anthony Garotinho optou por um reajuste menor do que o previsto (22,6%) para evitar maiores confrontos com a Fetranspor.

Este, no entanto, não é o pensamento dos empresários. Para eles, as tarifas estarão defasadas em 23%, o que, na opinião do superintendente da Fetranspor, Luiz Carlos de Urquiza Nóbrega, reduziria o setor rodoviário ao caos. O dirigente afirma que os cariocas viveriam uma situação semelhante a dos mexicanos e peruanos.

- A defasagem das novas tarifas é de 23%, fazendo com que as conseqüências desse decreto sejam catastróficas. Caminhamos para um sistema anárquico de transportes, em que há um aumento indiscriminado de oferta de vans e kombis piratas. O Rio será a Cidade de México em quatro ou cinco anos, e Lima, em sete. O governo tem que rever sua politica tarifária e reconhecer que se equivocou - protesta.

Nóbrega diz que os primeiros efeitos já surgiram, com funcionários demitidos e corte de investimentos. Mensalmente, o setor movimenta R$ 150 milhões. Segundo ele, as empresas haviam reservado R$ 400 milhões para renovar 10% da frota de 18,5 mil ônibus.

- Isso não vai mais acontecer. Os investimentos estão sendo cortados. A nossa frota é a mais nova do Brasil, com idade média de 2,7 anos. A de São Paulo tem cinco anos. Anualmente, renovamos um décimo dos ônibus. O pior é que outros municípios e estados querem adotar o mesmo procedimento. Será que todos os outros estão errados e só o Rio de Janeiro está certo? Os ônibus, hoje, estão em marcha a ré - reclama Nóbrega, que orientou as 64 empresas atingidas pelo decreto a questionarem a redução das tarifas na Justiça.

Eu acho que eles poderiam cobrar R$ 1,60 em vez dos R$ 2,17 oficiais

O manobrista Eduardo Farias mora em Imbariê e trabalha na Zona Sul

Moro em Imbariê, em Magé, e tenho que vir todos os dias para o Rio. Desço no Terminal Américo Fontenelle e faço uma baldeação na Central para pegar outro ônibus para o Jardim Botânico, onde trabalho como manobrista.

Daí, pego o Central-Magé (125C), que, incluindo a cobrança pelo pedágio de Imbariê, custa R$ 2,81. O correto seria R$ 2,70. Depois, gasto mais R$ 0,70 para ir para o trabalho.

E pago isso duas vezes, na ida e na volta. Se não tivesse vale-transporte, o salário não daria para sustentar minha mulher e minha filha de 1 ano. Ganho dois salários-mínimos e meio (R$ 325). Quem não tem vale-transporte fica prejudicado. Sem falar que tem essa tal taxa cobrados pelo pedágio. Isso é errado.

Mas, mesmo com a redução do preço das passagens de ônibus, o valor ainda está caro. Acho que poderia cair ainda mais. O novo valor é de R$ 2,17, mas, para mim, o justo seria cobrar R$ 1,60 pela passagem.


Cobrança menor no ano 2000

Mas, no que depender do governo, a briga com a Fetranspor terá novos rounds. Segundo o subsecretário de Transportes Paulo Santos, o governador Anthony Garotinho planeja executar novas reduções no ano que vem e, para isso, já foram dados os primeiros passos.

O reajuste de hoje é, na verdade, apenas uma média geral do que seria o valor correto a ser pago pelos usuários. O ideal é que se faça um levantamento individualizado, analisando as condições de cada linha de ônibus, o que já foi realizado em 160 trajetos.

Até o fim do ano, a Secretaria de Transportes terá concluído o estudo de todas as linhas que servem o Grande Rio, para efetivar os novos valores depois da virada do ano. O trabalho será incrementado com a implantação do Conselho de Política Tarifária, a ser constituído por governo, empresários, passageiros e técnicos em transporte urbano.

- Faremos uma análise profunda. Ainda há linhas superfaturadas e, até o fim do ano, já saberemos o valor real das linhas do Grande Rio. Depois, partiremos para um novo ajuste - anunciou Santos.

domingo, abril 18, 1999

A Baixada na mira da Lei

Próximo desafio da Polícia é reduzir a criminalidade nos municípios da região

Depois de concentrar suas ações no programa Mutirão pela Paz, aplicado nos morros Dona Marta e do Pereirão, na Zona Sul, a Secretaria de Segurança Pública aponta suas baterias para a Baixada Fluminense, a fim de tentar debelar a violência que toma conta da região. As estatísticas reforçam essa necessidade: houve 350 assassinatos nos dois primeiros meses de 1999, 33,4% dos 1.047 casos de todo o estado. No mesmo período do ano passado, aconteceram 325 homicídios na Baixada e 1.097 no Rio de Janeiro.

Em 72 horas, dois exemplos chocaram a população durante a semana: oito pessoas foram assassinadas no domingo e na terça-feira, despedaçando duas famílias em Belford Roxo (considerado o município mais violento do estado) e em Nova Iguaçu. Diante desse quadro, o secretário de Segurança, coronel PM Josias Quintal, deve anunciar até sábado um plano para reduzir os índices de criminalidade, principalmente em Belford Roxo.

Quintal não quis adiantar detalhes, mas o subsecretário Luiz Eduardo Soares confirma que, entre as medidas em estudo, está o remanejamento de policiais militares para reforçar o patrulhamento. O objetivo é aumentar a presença policial, permitindo aos PMs estenderem o seu raio de ação, equipados com motos e aparelhos de comunicação.

- Estudamos maneiras de otimizar e utilizar melhor os policiais disponíveis, mas não vamos descobrir um santo para cobrir outro. O coronel (Josias Quintal) pretende deslocar o máximo de PMs para lá e as motos e os rádios poderão melhorar o seu desempenho, aumentando a cobertura do patrulhamento, sem remanejar muitos homens. Há planos sobretudo para Belford Roxo. Fora estas intervenções especificas, também vamos levar o Mutirão pela Paz para a Baixada - anunciou o subsecretário.

A medida vem em boa hora. Hoje, uma das carências da Baixada é o efetivo policial, insuficiente se comparado com a Zona Sul carioca, por exemplo. Os 3.092.074 habitantes do municípios da região contam com 2.835 PMs, registrando uma média de um PM para 1.090 pessoas. A diferença do universo protegido pela Polícia Militar na área nobre da capital do estado é gritante, onde um PM dá conta de 294 habitantes. Os 638.756 moradores da Zona Sul dispõem de 2.170 PMs.

Luiz Eduardo não fixa prazos, mas diz que a Secretaria executará o plano logo:

- O coronel é rápido. Ele é a jato. Quando decidir, ele faz.

Só o bandido ganha

Investigações quase não existem

Mas se os índices de homicídios na Baixada vêm aumentando, há uma parte da região em que a polícia parece ter descoberto a melhor maneira de combater esse tipo de crime. Transferido para a direção da Metropol 10 (Belford Roxo) no início do ano, o delegado Fernando Reis reformulou os métodos de trabalho das quatro delegacias de sua jurisdição. A fórmula é simples: investigar os casos assim que são registrados e colher os depoimentos imediatamente, ainda sob o calor da emoção das testemunhas e parentes das vítimas.

Os resultados já estão aparecendo. As estatísticas vêm caindo a números inferiores aos de dezembro do ano passado. A 54 DP (Belford Roxo), por exemplo, registrou 27 ocorrências naquele mês, 29 em janeiro e 34 em fevereiro. Em março, houve uma queda para 22 casos. Na 64 DP (Vilar dos Teles), os números desabaram de 29 homicídios em dezembro para dez em março, em uma curva descendente contínua.

- Remodelamos os núcleos de homicídios das delegacias. Assim que chega a notícia do crime, parte uma equipe da delegacia reforçada por agentes da Metropol. Assim, ouvimos logo todas as testemunhas e parentes. Se deixarmos para ouví-los depois, eles racionalizarão o medo de sofrer represálias futuras e não irão colaborar. À medida em que falam sob o impacto da revolta e da dor, eles falam o que sabem. Nessas horas, eles querem que se faça justiça rapidamente - explica Fernando Reis.

O delegado conta que esse processo aumentou o número de prisões, já que os mandados de busca e prisão preventiva são rápidos

Mas, tal como a PM, a Polícia Civil encontra dificuldades na falta de pessoal. Segundo Reis, cada divisão de homicídios deveria ter 16 homens e não os ''seis em média que fazem outras operações, parando todo o seu trabalho''.

Chamarelli, caçador implacável

Chefe de investigações da 58 DP (Posse), em Nova Iguaçu, o inspetor Júlio Chamarelli, de 45 anos, sabe bem o que é trabalhar na Baixada. Policial há 20 anos, consolidou fama de caçador de grupos de extermínio. Recentemente, recebeu várias ameaças de morte. O caso dele não é o único, mas dá uma boa noção do que é lidar com os esquadrões da morte que infestam a região.

- As ameaças cessaram. Recebi um bilhete em fevereiro e telefonemas a partir de março tentando me intimidar para não depor no Forum de Nova Iguaçu no próximo dia 27, quando serão julgados três integrantes de um grupo de extermínio de Belford Roxo e Queimados - diz Chamarelli.

O policial conta que um dos bandidos livres é fugitivo do Carandiru, em São Paulo, e que, além dele, o detetive Amauri Lima, da 55 DP (Queimados), também foi ameaçado de morte. No último dia 14, Lima foi alvejado por dois homens em uma moto próximo à sua casa, em Santa Rita. Nenhum dos tiros o acertou, mas o recado era claro: parar as investigações.

Sobre as razões para tamanha violência, Júlio Chamarelli aponta duas explicações:

- Acho que a impunidade é um fator estimulante e pode ser que o pouco policiamento ostensivo também contribua para agravar a situação.

sábado, abril 17, 1999

Cinco mortos no Chapadão

Operação da Polícia e dos Fuzileiros Navais foi represália ao assalto a delegado

RIO (Extra) - Uma grande operação envolvendo agentes da Polícia Federal, fuzileiros navais e policiais militares dos batalhões de Bangu (14 BPM) e de Nova Iguaçu (20 BPM) foi deflagrada ontem à tarde para reprimir o tráfico de drogas no Morro do Chapadão, na Pavuna, controlado pelo traficante André Napoleão do Nascimento, o André CV. No fim do dia, o saldo foi de cinco homens mortos, 12 presos, e armas e drogas apreendidas.

A invasão começou às 14h, com a participação de 90 homens e visando também a acabar com o roubo de automóveis na Via Light, na Estrada Rio do Pau (Pavuna) e na Avenida Nazaré (Anchieta).

Ao todo, a quadrilha de André CV levou seis carros no domingo e na segunda-feira, entre eles o Corsa do delegado da Polícia Federal de Nova Iguaçu, Júlio César Pina do Amaral, o que conferiu um caráter de retaliação aos traficantes.

Outro aspecto que reforça a tese de represália é a presença de dez fuzileiros navais na operação, que, segundo o delegado Pina do Amaral, buscavam o assassino de um oficial da Marinha, morto semana passada. Nas Forças Armadas, os fuzileiros são considerados a elite militar brasileira.

Durante o tiroteio, cinco traficantes foram feridos e levados para o Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, onde chegaram mortos e sem documentos de identificação. Às 17h, os policiais e os militares deixaram o morro, seguindo para a divisão da Polícia Federal em Nova Iguaçu.

Entre o material apreendido, estavam uma granada, três pistolas, um revólver e cinco rádios portáteis, que serviam para rastrear a freqüência da polícia. Também foi recuperado um dos carros roubados pela quadrilha, usado para esconder um corpo que estava no porta-malas.

Segundo Júlio César Pina do Amaral, esta foi a primeira de uma série de incursões que a Polícia Federal pretende fazer no Morro do Chapadão em conjunto com outras forças.

- Vamos trabalhar em conjunto com o Batalhão de Operações Especiais da PM. Eles que se cuidem - avisou.

Líder do morro é conhecido como homem violento

Sanguinário. Este é o adjetivo que melhor define o traficante André Napoleão do Nascimento, o André CV, chefe do tráfico de drogas no Morro do Chapadão. Entre seus feitos, está uma chacina praticada contra inimigos no Parque Alian, em São João de Meriti. A quadrilha do traficante tentou invadir o lugar no dia 26 de março deste ano. Durante a guerra travada contra o bando controlado por Binho, seis pessoas morreram.

Além disso, a polícia tem informações de que André CV tem um cemitério clandestino localizado no alto do morro, em um lugar conhecido como Cova da Onça. Entre suas vítimas, estariam o sargento PM Sebastião dos Santos Gomes, do 17BPM (Ilha do Governador) e do soldado PM Sérgio Pereira de Amorim, além de um homem identificado como Gilberto Silva.

Segundo dossiê do ex-diretor da Metropol X (Belford Roxo), Harold Spínola, o traficante pretende conquistar pontos de venda na Baixada Fluminense. Os alvos são o Morro da Chatuba, entre Nilópolis e Nova Iguaçu, e a Vila Tiradentes, em São João de Meriti.

Neste domingo, a quadrilha do traficante tomou o asfalto para roubar carros na Estrada Rio do Pau, na Pavuna, e Avenida Nazaré, em Anchieta. Ao todo, foram levados seis automóveis. Um deles era o do delegado Júlio César Pina do Amaral, que passava pela Avenida Nazaré na noite de segunda-feira.

Na ocasião, não havia equipes da PM disponíveis para seguir ao local, apesar de o comandante do 14 BPM (Bangu), coronel Saldanha, ter quatro patamos (utilitário D-20 com até seis homens armados de fuzil) patrulhando a área que cerca o Chapadão.

Dois dias antes, o agente federal Marcelo Alves teve seu carro roubado em frente de casa, em Jardim Sulacap, pelo mesmo bando. Novamente, não havia efetivo da PM na área.

sexta-feira, abril 09, 1999

O tribunal da Providência

Três jovens levam tiros nas mãos como punição por venderem drogas mais caro

RIO (Extra) - Espancamento e perfurações a bala nas mãos. Esta foi a "sentença" decretada por traficantes do Morro da Providência a Luiz Eduardo Faustino Nunes, de 24 anos, e aos menores M., de 14, e E., de 16. Os três foram punidos ontem de madrugada por comprar sacolés de cocaína no morro, a R$ 10, para revendê-los na Central do Brasil, por R$ 15.

Irritados, os traficantes já sabiam disso e haviam formulado o "veredicto" com antecedência, colocando-o em prática imediatamente. O trio foi cercado na subida do morro e espancado por 15 homens armados com pistolas, metralhadoras e fuzis. Depois de levar coronhadas, eles foram baleados nas mãos. A tortura durou mais de uma hora.

Em seguida, receberam ordens de descer o morro correndo e, se fossem pegos pela polícia, deveriam dizer que foram atingidos durante um assalto, sob pena de serem mortos. Casos assim, no entanto, já são antigos e freqüentes nas grandes favelas do Rio de Janeiro, segundo o chefe de operações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), Carlos Torres.

De acordo com o policial, todas as quadrilhas de tráfico de drogas bem organizadas possuem uma estrutura judicial, cujo "tribunal" é constituído pelo chefe do bando e seus gerentes de boca-de-fumo. Há ainda um carrasco, responsável pelas execuções, e um coveiro, encarregado de enterrar e desovar os corpos.

Luiz Eduardo e E. sofreram fraturas expostas na mão esquerda e tiveram escoriações na cabeça provocada por coronhadas. E. teve a mesma punição, sendo baleada na mão direita. A arma utilizada durante a "sentença" foi uma pistola calibre 45.

Os três foram encontrados por uma patrulha do 4 BPM (São Cristóvão) na calçada do Depósito de Material Bélico do Exército, na Praça do Santo Cristo, de onde foram levados pelos Bombeiros para o Hospital Souza Aguiar. De lá, foram transferidos para o Hospital Miguel Couto, no Leblon, onde Luiz Eduardo foi operado.

Caçada aos justiceiros acabou frustrada

Apavorados com o que aconteceu, Luiz Eduardo e E. afirmaram ao delegado Arlindo Braga Filho, da 4 DP (Central do Brasil), que eram viciados e foram ao morro para comprar drogas para uso próprio. A versão não convenceu o delegado, que extraiu a verdade de M.

O menor confessou que comprava sacolés de cocaína para revender na Central. Entretanto, a droga que três foram ontem era para o próprio consumo. Os depoimentos foram colhidos no Hospital Miguel Couto, onde os três permanecem internados.

- Eles foram ao morro só para cheirar. Os traficantes já sabiam que o garoto e o rapaz revendiam a droga mais caro e resolveram se vingar - explicou o policial.

À tarde, depois de deixar o hospital, o delegado organizou, junto com o diretor da Metropol I (Praça Mauá), Carlos Alberto Nunes Pinto, uma operação para procurar os traficantes responsáveis pelo crime. Ao todo, foram 18 policiais da Metropol I, da 4 DP e da 1 DP (Praça Mauá). A missão se concentrou na localidade da Pedra Lisa, onde teria acontecido a punição.

Ao final da operação, foi detido apenas um homem: Wagner Soares de Souza Chagas, o Bugi, de 22 anos, apontado por Arlindo Braga Filho como o responsável pela segurança do paiol de armas dos traficantes. Além disso, foram apreendidos 99 projéteis de fuzil.

Para tentar identificar toda a quadrilha, os policiais fotografaram o lugar e quem passava por ali. As fotos serão levadas para que Luiz Eduardo, M. e E. identifiquem os traficantes que os balearam. O delegado contou que há duas semanas um policial foi cercado e espancado por marginais do local:

- Agora, estamos levantando os pontos e investigando.

No Borel, em 92, 18 pessoas foram punidas por traficantes

A polícia não sabe ao certo quando os traficantes passaram a formar os seus tribunais paralelos. A primeira notícia que se tem desse tipo de execução data de 27 de novembro de 1992, quando 18 pessoas, incluindo menores, foram espancados e baleados nas mãos a mando de Nelson da Silva, o Bill, então chefe do tráfico de drogas no Morro do Borel, na Tijuca.

A "sentença" foi uma retaliação a um assalto a ônibus na Praça Saens Peña, no mesmo bairro, onde viajava uma de suas mulheres, que delatou a gangue. A execuçã, ao contrário do que acontece hoje, foi feita pelo próprio Bill.

Depois desse caso, foi a vez de a quadrilha do Morro Dona Marta, em Botafogo, inaugurar o seu tribunal. Em março de 1994, três assaltantes foram castigado com tiros nas mãos. Motivo do crime: eles atacaram um ônibus perto do morro e foram punidos por fazer com que a Polícia Militar realizasse uma operação de busca ali. Além disso, havia uma moradora da comunidade a bordo, que os reconheceu em uma boca-de-fumo.

Ha dois anos, a polícia constatou que a Favela do Jacarezinho também possuia o seu próprio tribunal. Desta vez, o condenado foi o camelô José Pinout, de 39 anos. A razão pela qual foi punido foi uma nota de R$ 50 usada para pagar um lanche em um trailer.

O comerciante, então, procurou o líder do tráfico local, Marcos Vinícius da Silva, o Lambari, para resolver a questão, sem recorrer à ajuda dos PMs.

Segundo o chefe de operações da DRE, Carlos Torres, outras favelas mantinham seus tribunais, como a de Parada de Lucas e de Vigário Geral. Hoje, os julgamentos acontecem com maior freqüência nos morros da Providência, no Jacarezinho e na Rocinha.

Um altar para a vítima ouvir a sentença

Os braços dessa Justiça paralela organizada pelos traficantes alcançam todas as grandes e médias favelas do estado. Anteontem, policiais da 34 DP (Bangu) encontraram um cemitério clandestino na Favela da Coréia, localizada na localidade de Vila Aliança, onde também havia um barraco onde os condenados eram julgados e condenados.

As marcas das execuções estavam espalhadas por todo o barraco. Manchas de sangue e perfurações a bala mostravam que era ali onde os traficantes decidiam as "sentenças" de suas vítimas, que aguardavam numa espécie de altar erguido num barranco. Através de denúncias anônimas, o delegado Anestor Magalhães reuniu uma equipe e partiu para o local à tarde.

Localizado em um lugar cercado pelo mato alto, o cemitério ficava escondido de olhares estranhos. As informações davam conta de que haveria, pelo menos, três corpos enterrados ali. Até ontem à tarde, porém, foi encontrado apenas o corpo de um homem, cruelmente espancado.

Com o crânio arrebentado, os policiais acreditam que o homem foi assassinado um dia antes da chegada da polícia. Este crime, provavelmente, foi o que desencadeou as denúncias que o delegado recebeu.

As buscas por mais corpos não terminaram e devem prosseguir ao longo de todo o dia de hoje. Atualmente, o tráfico ali é controlado por Robinho Pinga, ligado ao Terceiro Comando.

Da solitária ao espancamento

Uma sociedade à parte, com o seu próprio sistema legislativo e judiciário. É assim que o chefe de operações da DRE, Carlos Torres, classifica as maiores quadrilhas de tráfico de drogas do estado. Segundo ele, cada tipo de crime cometido nessas favelas ou por integrantes dos bandos tem uma forma de punição.

A pena mais severa, de morte, é aplicada a estupradores, informantes da polícia e naqueles que tenham roubado parte do dinheiro das bocas-de-fumo. Quem perde armamento pesado também perde a vida. No caso das três vítimas de ontem, no Morro da Providência, o espancamento e os tiros nas mãos foram apenas uma advertência.

- Essas pessoas ficam vivas para servir como exemplo às demais. A execução tem como objetivo mostrar que alcagüetes são punidos com a morte. É uma forma também de silenciar suas famílias - explica Carlos Torres.

Segundo ele, para escapar do "julgamento" ou ter sua pena amenizada, o "acusado" deve ter alguma forma de afinidade com o líder do tráfico, que preside esse tribunal de justiça paralelo. Torres conta que as informações sobre os delitos são passadas, geralmente, pelos gerentes de bocas-de-fumo, que integram o "conselho judiciário" do narcotráfico:

- Um informante meu, em Acari, ficou três meses de castigo dentro de casa, sem poder sair, até que os traficantes decidissem o que fazer com ele.

O policial conta que os soldados que perdem seus fuzis, durante confrontos ou não, são punidos com a morte. Perder uma arma pesada só é admitido quando se morre em tiroteio ou se é preso.

- É a lei do cão - conclui o policial.

Eles têm uma necessidade deste tipo de afirmação

Talvane de Moraes

Trata-se de um grande contraponto o que assistimos hoje nas favelas. Isso acontece à medida em que o Estado está totalmente ausente como mediador de conflitos e como agente social, função essa preenchida pelos traficantes.

Eles têm essa necessidade de afirmação através da violência. Na mente deles, isso faz parte da manutenção do poder. Na cultura deformada desses criminosos, essa manutenção se faz pela violência permanente.

Entre eles, matam-se aqueles que estão em posições de menor escalão. Os chefes começam a se sentir ameaçados e temem a ascensão dos mais jovens, que fatalmente subirão de posto, passando de vapor para olheiro, soldado e daí por diante. E é natural que queiram ambicionar o poder. O chefe, então, simplesmente manda liqüidá-los.

É a barbárie total. Manter o poder pela força. Se o chefe desconfia que está sendo ameaçado ou que alguém está pisando na bola, ordena um julgamento sumário. Este julgamento exerce um duplo papel: o de suplementar o exercício do poder e o de ascender sobre os outros integrantes de seu grupo pela força. Como quem diz "Não façam nada comigo porque eu mato".

Na sociedade tradicional, sofremos as sanções previstas pelo Código Penal. Lá, o julgamento é sumário.


TALVANE DE MORAES é psiquiatra forense

Com Mario Teixeira

domingo, abril 04, 1999

As 100 cilindradas do tráfico

Mais práticas e menores, as motonetas são a nova arma dos bandidos

RIO (Extra) - Traficantes de todo o estado e jovens de classes média e alta têm a mesma preferência quando o assunto é transporte sobre duas rodas. Pequenas e ágeis, as motonetas vêm se tornando um eficiente veículo para transportar e vender drogas, driblar batidas da polícia, vigiar a aproximação de quadrilhas rivais e até impor toque de recolher, como aconteceu no Complexo da Chatuba, em Nilópolis, mês passado.

Os sinais da adoção dessas motocicletas - Honda C 100 Biz, Yamaha Jog 50 e Scooter Tchau 50 (da Agrale) - surgiram em novembro de 1998, mas a polícia só constatou o fato em março deste ano. Terça-feira passada, policiais da Metropol XIII (São Gonçalo) apreenderam duas motonetas (placas KOV-3842 e JTN-9101) no Morro do Menino de Deus, em São Gonçalo.

Detidos, Bruno Coutinho, de 18 anos, e Roney Ferreira da Cruz, de 19, disseram que pagaram R$ 300 a traficantes do local. Segundo o chefe de operações da Metropol XIII, Jamil Alves, o ponto de partida das investigações foi a recuperação de uma motoneta no Morro do Salgueiro, naquela cidade:

- Desde então começamos a ver que essas motocas têm ligação com o narcotráfico, que antes utilizava apenas carros e bicicletas para fazer bonde (transporte de drogas) e vender drogas no asfalto. Antes, havíamos apreendido uma com 1kg de entorpecente escondido nela - diz.

O policial acrescenta que os bandidos não medem esforços para roubar essas motos:

- Uma vítima foi roubada por quatro caras que chegaram num Passat. É um esquema forte, montado pelo tráfico.

De acordo com agentes do Serviço Reservado do 7 BPM (Alcântara), há outras quatro circulando no Menino de Deus.

- Elas estão lá desde novembro, sendo usadas pelos traficantes e pela população. Mas é no Salgueiro que se usa mais - conta um dos PMs.

Toque de recolher em Nilópolis

Do outro lado da Baía de Guanabara, o delegado Luiz Torres tem uma motoneta apreendida no pátio da 53 DP (Mesquita). No dia 3 de fevereiro, os policiais encontraram uma Yamaha Jog 50 na Rua Heitor Costa Val, em Mesquita. O condutor fugiu, mas Luiz Torres não tem dúvidas sobre o uso do veículo.

Ele lembra que foi a bordo de uma Honda C 100 Biz que traficantes do Complexo da Chatuba, entre Nilópolis e Nova Iguaçu, impuseram um toque de recolher aos moradores da comunidade há um mês.

- A gente detectou que eles fazem um tráfico de varejo e tomam conta da movimentação com essas motos. Além disso, elas também servem para o bonde e para vigiar a polícia e uma eventual invasão de adversários - explica.

No asfalto, as motonetas são usadas em uma espécie de serviço de entrega a domicílio, sem que o usuário precise ir à favela comprar drogas:

- Elas servem para atender o viciado que tem medo de entrar na favela. Em Nilópolis, eles usaram uma moto dessas para impor o toque de recolher. Com certeza, há outras por lá - afirma o delegado, que está com uma equipe na rua investigando o caso.

Utilização de motonetas foi apontada pelo EXTRA

O primeiro sinal de utilização das motonetas surgiu em novembro do ano passado, quando policiais do Serviço Reservado do 7 BPM detectaram sua existência nos morros do Menino de Deus e do Salgueiro, em São Gonçalo. A PM sabe que há quatro motocicletas sendo usadas por traficantes, que também as emprestam aos moradores dessas comunidades.

Mas foi no Complexo da Chatuba, em Nilópolis, que surgiu o primeiro caso notório. Aterrorizados pela guerra pelo controle do tráfico de drogas na região, moradores denunciaram que traficantes circulavam em uma Honda C 100 Biz impondo toque de recolher, conforme o EXTRA denunciou no dia 4 de março.

Um mês antes, uma Yamaha Jog 50 foi apreendida em Mesquita. No dia 25 de fevereiro, outra prova do interesse dos bandidos pela motoca: uma concessionária da Honda, no Jardim Botânico, teve quatro C 100 Biz, de R$ 2.500, roubadas.

Tamanho favorece a fuga

Opinião corrente na polícia, as motonetas são o veículo ideal para escapar com facilidade de perseguições em vielas e de operações policiais, graças ao seu pequeno tamanho.

- Elas circulam em ambientes que os nossos carros não conseguem entrar. Não só pelo pouco espaço lateral como também pelo tipo de piso. No asfalto, fogem devido à agilidade nas manobras, seguindo por becos estreitos - enumera o delegado Luiz Torres.

Além dessas dificuldades, agentes do 7 BPM apontam outros obstáculos.

- Geralmente, elas são usadas por menores, que não levantam muita suspeita. Principalmente no Salgueiro. E várias não têm placa, já que não há essa obrigatoriedade - lamenta um dos PMs.

Diante desta nova realidade, Jamil Alves, da Metropol XIII, só vê uma solução:

- A atenção tem que ser muito maior. Temos que fazer blitz em todas elas.

- Só podemos pegar em flagrante ou com sorte - lamenta o PM.

Aula com pincel e martelo

Pais, alunos e professores se juntam em mutirões para recuperar as escolas

RIO (Extra) - "Creio no sonho. Creio no trabalho. Sonhei, com paixão e ousadias, as utopias maiores que poderia sonhar. E não me arrependo (...)". O pensamento acima, grafado no Ciep Ministro Gustavo Capanema, na Vila Pinheiros (Bonsucesso), é do senador e antropólogo Darcy Ribeiro - falecido há dois anos, criador do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), entre outros projetos - e inspirou grupos de pais, alunos e professores de todo o estado a recuperar as escolas de suas comunidades.

Sem recursos oficiais (a Empresa de Obras Públicas, do estado, só tem R$ 4 mil para obras de emergência e o Fundo Rotativo da Prefeitura fornece até R$ 8 mil para as escolas), eles arregaçaram as mangas e pegaram em pincéis e martelos em mutirões nos fins de semana. E do sonho e suor dessas pessoas começa a surgir uma nova realidade: a da conscientização sobre a necessidade de se garantir a educação e o sentimento de responsabilidade pelos colégios.

Repleto de pichações, com sérios problemas estruturais e sem dinheiro, o Ciep Ministro Gustavo Capanema, que é municipal, foi palco de um mutirão de emergência durante três finais de semana, em janeiro. Os problemas principais não foram resolvidos, mas o aspecto da escola está muito melhor do que o encontrado em 1 de janeiro, quando a professora Eliane Ferreira assumiu a direção. A diretora convocou os pais para uma reunião e deste encontro surgiu o grupo Amigos do Ciep, formado por 20 pessoas.

Hoje, as paredes estão pintadas, as cem lâmpadas guardadas no almoxarifado foram instaladas, o jardim foi capinado e cercado com grades e o próprio nome do Ciep, recuperado. Tudo isso sem gastar um centavo com mão-de-obra. A rampa de acesso para deficientes foi construída com material doado por comerciantes.

- Acreditamos no sonho do Darcy. Fizemos menos do que é preciso e mais do que poderíamos em tão pouco tempo. Havia até cavalos na escola. Mais do que uma recuperação, o mutirão foi um plano de conscientização da comunidade - diz Eliane.

Os frutos desse trabalho já surgiram. Diogo Barreto, de 12 anos, aluno da 3 série, participou da revitalização do Ciep.

- Ajudamos a escola. Agora está muito melhor e temos que mantê-la assim - conta ele, feliz com os resultados do mutirão, que voltará a acontecer em abril.

Estudantes trocam diversão por faxina

Desde a criação dos Amigos do Ciep, o Gustavo Capanema vem passando por transformações visíveis, planejadas passo a passo nas reuniões organizadas nos fins de semana. Ex-aluno, Alexandre dos Santos, de 22 anos, conta que recuperar a escola significava resgatar a sua própria história.

- A escola não estava tão danificada quando saí, em 1993. Tenho ligações aqui. Ela é parte da minha vida - diz Alexandre, que ajudou a pintar as paredes.

Outro que trocou a diversão pelo mutirão foi Leonardo Lemos, de 11, estudante da 4 série. Junto com a mãe, Edileusa Costa, ele varreu, esfregou o chão e arrumou as cadeiras:

- Botamos tudo no lugar. Ficou tudo diferente. Antes era sujo. Agora, pelo visto, o pessoal vai cuidar mais da escola - conta.

A professora Janete Trajano concorda:

- Eles estão mais conscientes de que o espaço é deles.

Até quem não tem muito tempo durante a semana sacrificou sábados e domingos para dar vida nova ao Ciep. Aluna do Programa de Educação Juvenil, Ione Alves Lima, de 22, estuda à noite e, de dia, vai de novo à escola para deixar a filha de 5 anos no Jardim de Infância.

- Pintei, esfreguei, varri e ainda falta muita coisa - conta ela, orgulhosa do trabalho.

Segundo a coordenadora pedagógica Flora Prata, foram os próprios pais e alunos que listaram as necessidades do colégio:

- Eles reclamavam da sujeira. A Comlurb, então, instalou lixeiras, que agora estão transbordando, o que é um sinal do interesse em conservar o lugar sempre limpo. Agora, só falta a Prefeitura se juntar à gente.

'Mosqueteiros' têm até grito de guerra

A Escola Estadual Rosa dos Ventos, no bairro que leva o mesmo nome, em Nova Iguaçu, começa a vislumbrar um novo rumo para superar os problemas, que já se amontoam na porta de entrada. Em fevereiro, duas árvores caíram por causa das chuvas, derrubando o muro da escola. Segundo a diretora, Ana Isabel Rodrigues, funcionários da Prefeitura informaram que a Rosa dos Ventos era estadual e que não poderiam fazer nada, a não ser mandar o Corpo de Bombeiros cortar as árvores.

O entulho formado pelos destroços permaneceu ali até a semana passada, quando um dos pais recolheu tudo, comprometendo-se, depois, em reconstruir o muro. Sem dinheiro, Ana Isabel realizou um mutirão sábado passado para limpar e pintar o colégio. A decepção com a Prefeitura deu lugar à alegria em ver os alunos empenhados em salvar a escola.

À frente da garotada, destacam-se Bruno Leal, Fabiano Dias, ambos de 14 anos, Flávio Resende, de 16, e Edson Ribeiro, de 17, todos da 6 Série. Enxadas, pincel e vassouras nas mãos, os quatro são os "mosqueteiros" de Ana Isabel, adotando o grito "um por todos, todos por um".

- A gente se animou ao ver nossos pais trabalhando e resolvemos ajudar também. Consertamos um vazamento no banheiro e tentamos reparar um ventilador, emendando os fios. Acho que deu para o gasto. A escola agora está melhorando - diz Fabiano, diante das pedras e areia separadas para reerguer o muro e do mato alto, invadido por cavalos e a espera de uma capinada.

Em Barra Mansa, Sul Fluminense, o ditado "a união faz a força" também foi seguido à risca. A diretora da Escola Municipal Padre Anchieta, Maria Aparecida Xavier, está agendando uma reunião com os pais para organizar um mutirão, que deve acontecer em maio, quando a escola receberá a verba do FNDE, que foi de R$ 6,2 mil no ano passado, além dos recursos da Fundação Educacional de Barra Mansa.

A diretora, porém, diz que o dinheiro não foi suficiente para resolver tudo e que fará um levantamento entre os pais para conhecer suas profissões. A idéia é pedir ajuda para pequenos problemas.

Última reforma na escola foi há 12 anos

Construída em um terreno alagadiço, a Escola Estadual Barão de Tinguá, em Miguel Couto (Nova Iguaçu), agoniza por uma reforma, ou melhor, por uma reconstrução, como afirma a diretora Rosimar Teixeira. Durante as chuvas que castigaram a Baixada Fluminense, a escola foi invadida pela água, pela lama e pelo lixo de um valão próximo.

A verba de R$ 65 mil do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), repassada ano passado pelo estado, não foi suficiente para reparar os estragos.

Parte da culpa foi da própria comunidade. Em outubro, três adolescentes invadiram e incendiaram parcialmente a escola, destruindo todo o material de limpeza, avaliado em R$ 7 mil.

A diretora explica que há um prazo para se gastar a verba, sendo que as sobras têm de ser devolvidas, restando, então, a colaboração do Grupo de Associação Social e Política (Gasp), composto por moradores do bairro.

- A última reforma aconteceu há 12 anos, mas o ideal é reconstruir a escola. Estamos com o caixa zerado. Depois desse incêndio, a comunidade passou a participar mais, doando o material que perdemos, limpando e pintando a escola. Criou-se um sentimento de responsabilidade. Se dependesse do estado, estaríamos perdidos - diz a diretora Rosimar.

- Dava vergonha ver isso aqui. A comunidade é um pouco rebelde, mas a gente vai caminhando devagar. Capinamos a grama, consertamos os quadros-negros, as carteiras, o portão. O colégio é nosso e se não cuidarmos dele não haverá futuro - conta o comerciante Rogenvaldo Mendes Pereira, de 45 anos.

- Faremos um churrasco e um baile para angariar fundos e juntar o pessoal - acrescenta ele, que tem cinco sobrinhos na escola.

O serralheiro Dionésio Soila da Silva, de 47, resume a sua contribuição:

- Damos a maior força para as crianças poderem estudar sempre. A gente precisa disso.

Garotinho suspende obras

A Secretaria Estadual de Educação não dispõe de um fundo para restaurar e conservar as 1.955 escolas de sua rede. No dia 24 de fevereiro, o Diário Oficial registrou a verba destinada ao Sistema de Manutenção Predial, da Empresa de Obras Públicas: R$ 4 mil. Anteontem, o governador Anthony Garotinho baixou decreto cancelando o pagamento às empreiteiras até o próximo dia 2. Até que o governo encerre a auditoria nas contas, nenhuma obra será feita. Para a superintendente de Orçamento e Controle da secretaria, Maria Teresa Lopes Leite, houve desperdício dos repasses anuais, de R$ 40 por aluno:

- A nova política é democratizar esse repasse.

A Secretaria Municipal de Educação tem dois programas para conservar suas 1.029 escolas: o Conservando e o Fundo Rotativo.